O Estado de São Paulo, n. 45707, 08/12/2018. Política, p. A8
Justiça condenou ONG ligada a Damares
08/12/2018
Entidade teve de retirar do ar, em 2017, vídeo considerado ofensivo à dignidade da comunidade indígena pelo Ministério Público Federal
Pastora. Damares Alves é assessora no gabinete do senador Magno Malta (PR-ES), que negou tê-la indicado para pasta
A organização não governamental (ONG) Atini - Voz Pela Vida foi condenada, no ano passado, a retirar do ar um vídeo considerado pelo Ministério Público Federal ofensivo à comunidade indígena. A entidade tem entre as fundadoras a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que também ficará responsável pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
No pedido que sustentou a decisão judicial, o Ministério Público do Distrito Federal afirmou que o filme Hakani – A história de uma sobrevivente “gerou profunda indignação na sociedade, gerando manifestações preconceituosas e discriminatórias em face das comunidades indígenas”.
Em sua argumentação, o MPF declarou que o filme tinha o objetivo de “chamar atenção acerca do tema ‘infanticídio indígena’ e legitimar as ações missionárias no interior das comunidades indígenas”. A veiculação do filme, justificou, bem como a exposição de imagens de crianças e adolescentes indígenas, “atinge a dignidade humana deste grupo perante a sociedade”. Os procuradores pediam à época que a ONG fosse condenada a pagar R$ 1 milhão.
Ainda de acordo com o MPF, a obra foi produzida em parceria com a instituição Jocum (Jovens Com Uma Missão), nome adotado no Brasil pela organização evangélica de origem americana Youth With a Mission. Fundada em 1960, a organização iniciou as atividades missionárias no Brasil em meados da década de 1970, e hoje possui escritórios em quase todos os Estados brasileiros.
Em outubro de 2017, a Justiça do DF acatou parte dos pedidos da Procuradoria e determinou suspensão da veiculação do filme – não concedeu a indenização pedida. A Atini - Voz Pela Vida recorreu da decisão.
O Estado verificou que ainda há links disponíveis na internet com acesso ao filme, que tem 30 minutos de duração.
Procuradas, as entidades não se manifestaram até a conclusão desta edição. Ontem, Damares Alves afirmou que não tem planos de “evangelizar” os povos indígenas .
‘Sem agressão’. Em entrevista concedida no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) quando foi anunciada como ministra, anteontem, Damares disse ser contra a política de isolamento dos índios brasileiros e que a ideia é integrá-los “sem agressão à cultura”. “Não abro mão dos meus índios”, afirmou ela ao reiterar que a Funai, atualmente no Ministério da Justiça, será transferida para sua pasta. Segundo a ministra, o plano é cuidar do índio “como um todo”, inclusive daqueles com deficiência. “Ainda temos povos que eliminam crianças com deficiência.”
A decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de transferir a Funai de ministério causou indignação entre servidores do órgão, que veem a ministra como defensora da atuação religiosa e missionária em aldeias indígenas. Damares é assessora no gabinete do senador Magno Malta (PR-ES), que, apesar de ter sido próximo de Bolsonaro na campanha, ficou fora do ministério do novo governo.
Ontem, o senador divulgou um vídeo para aliados e eleitores no qual diz não ter indicado sua assessora para o ministério e atribuiu a decisão a uma escolha pessoal do presidente eleito. “Esclareço que ela não é uma indicação minha, é uma escolha pessoal do presidente, que a convidou. Não fui comunicado, não fui solicitado, não fui eu que a indiquei como algumas pessoas pensam. Não traduz a verdade. Ela é uma escolha pessoal do presidente da República. Eu desejo toda a sorte do mundo a ela”, afirmou Malta
'Ingignação'
“(O filme) gerou profunda indignação na sociedade, gerando manifestações preconceituosas e discriminatórias em face das comunidades indígenas.”
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL