O Estado de São Paulo, n. 45720, 21/12/2018. Metrópole, p. A18

 

Polícia de Goiás indicia João de Deus

Renan Truffi

21/12/2018

 

 

Primeiro inquérito encerrado contra médium aponta crime de violação sexual mediante fraude; defesa recorre ao Supremo por liberdade

O médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, foi indiciado pela primeira vez ontem pela Polícia Civil de Goiás acusado de crime de violação sexual mediante fraude. Agora cabe ao Ministério Público de Goiás decidir, com base nessa investigação, se denuncia o médium à Justiça ou não. A pena prevista varia de dois a seis anos de prisão, em regime fechado.

Ainda há outras investigações em andamento contra o líder religioso. O inquérito encerrado ontem tem como base o caso de uma mulher, de cerca de 40 anos, que relatou ter sido vítima de João de Deus no dia 24 de outubro deste ano. Inicialmente, a investigação tinha 15 casos, mas apenas este aconteceu recentemente. Até setembro, o Código Penal determinava prazo máximo de seis meses para a denúncia deste tipo de crime após a data do caso.

Ao concluir o inquérito, o delegado Valdemir Pereira, um dos coordenadores da força-tarefa que investiga João de Deus, afirmou que a polícia tem “provas robustas” para que o líder religioso seja condenado pelo crime. Segundo Pereira, o médium cometeu “estelionato sexual” e tinha o hábito de oferecer presentes às vítimas para silenciá-las. “Foi um estelionato sexual. A vítima foi lá (Casa Dom Inácio de Loyola) para ser curada e ele (João de Deus), aproveitando dessa situação, enganou e abusou dela sexualmente”, afirmou. “Isso (tentativa de silenciar a vítima) ficou muito claro. Essa é uma prática comum dele. Abusa sexualmente da vítima e depois dá presentes às pessoas abusadas”, explicou.

Em depoimento à polícia, João de Deus negou todas as acusações e disse que não cometeu nenhum tipo de abuso. Ele alega que uma pessoa queria destruí-lo antes de as denúncias virem à tona.

Apuração. Para encerrar a investigação, na última quarta-feira, os policiais levaram a vítima, cuja identidade é mantida em sigilo, à Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus fazia os atendimentos espirituais em Abadiânia (GO). Ela reconheceu a sala na qual diz ter sido abusada e voltou a dar detalhes de como aconteceu o crime. Como se trata da única vítima, o policial relatou que a mulher está “ansiosa e com medo”. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a mulher visitava o centro frequentemente, acompanhada de um namorado e uma cunhada. Em uma dessas ocasiões, ela foi selecionada para um atendimento reservado. Com as luzes apagadas, ela foi colocada de costas para o líder religioso.

Nesta posição, João de Deus teria começado uma massagem na vítima e, em seguida, passou a tocar próximo à região íntima dela. Em seguida, teria pedido que ela fizesse o mesmo, massageando-o na barriga. Depois, o médium pediu, então, que a vítima baixasse a mão e, neste momento, ela percebeu que João de Deus estava com o órgão sexual exposto.

Aos policiais, a vítima contou que, quando percebeu a tentativa do médium, resistiu e interrompeu o contato físico.

De acordo com os investigadores, João de Deus teria oferecido uma pedra preciosa e dois quadros para a vítima, como forma de evitar que ela o denunciasse. À Polícia Civil, João de Deus disse não se lembrar de ter dado a pedra, mas admitiu a oferta de quadros.

Novo inquérito. Além de ter de responder por esse crime, o médium será investigado pela posse ilegal de arma de fogo. Isso porque cinco armas foram descobertas em sua residência durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na terça-feira.

Na ocasião, os investigadores acharam dois revólveres de calibre 32, um de calibre 38, uma pistola 380, com capacidade para 12 tiros, e uma garrucha calibre 22, que tinha a numeração raspada. Também foram encontrados diversas munições, em poder de João de Deus, sendo algumas estrangeiras. Entre elas, estavam munições 357, exclusiva de uso militar, e que pode ser usada em calibre 38.

Nenhuma delas têm registro na Polícia Federal ou no Exército e, por isso, o médium terá de responder por esses crimes.

No mesmo dia, os investigadores descobriram também aproximadamente R$ 405 mil em dinheiro vivo.

Recurso. Após ter o pedido de liberdade negado duas vezes, a defesa do médium recorreu ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF). O recurso foi distribuído ao ministro Gilmar Mendes, mas, por causa do recesso do judiciário, a ação foi encaminhada para o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, responsável pelos processos que chegam durante o plantão./ COLABOROU AMANDA PUPO

Denúncias

500 é o total de relatos encaminhados por e-mail ao Ministério Público de abusos que teriam sido cometidos por João de Deus. Pelo menos 30 depoimentos foram formalizados para a força-tarefa. Além disso, a Polícia Civil conclui ontem o primeiro inquérito.

ENTENDA

Investigações da Polícia Civil de Goiás

Foram relatados 15 casos (divididos em vários inquéritos) Inquérito principal: 1 vítima de abuso sexual + outras mulheres como testemunhas

Crime a ser denunciado: violação sexual mediante fraude (art. 215 do CPP).

Investigações do Ministério Público de Goiás

São mais de 500 relatos por email e 30 depoimentos formalizados no Ministério Público. Vale destacar que a força-tarefa incluiu nesse trabalhos os MPs dos diversos Estados, criou um e-mail específico para denúncias e vem recolhendo material até mesmo de pessoas de outros países.

Inquéritos:

Triagem ainda está sendo feita e casos analisados. Mulheres estão sendo chamadas a prestar depoimentos. Crime a serem denunciados: estupro, estupro de vulnerável, violência sexual mediante fraude.

PONTO-CHAVE

 

Polícia de Goiás abre novas investigações

Inquérito

A Polícia de Goiás encerrou o 1º inquérito contra João de Deus em que ele foi indiciado pelo crime de violação sexual mediante fraude – art. 215 do Código Penal.

Nova investigação

Após o indiciamento, a polícia vai investigar o médium por posse ilegal de arma. Foram encontradas 5 armas em um dos endereços dele em Abadiânia (GO).

Dinheiro

Os investigadores também descobriram cerca de R$ 405 mil em dinheiro vivo. O maior volume de notas era de reais. Ainda não se sabe a origem.