O Estado de São Paulo, n. 45719, 20/12/2018. Política, p. A4

 

Toffoli derruba liminar que poderia soltar Lula

Rafael Moraes Moura

20/12/2018

 

 

Judiciário. Presidente do Supremo suspende decisão de colega do Supremo que abria caminho para a liberdade de cerca de 169 mil presos no País, incluindo o ex-presidente

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, cassou ontem uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que havia suspendido por meio de uma liminar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Um dos mais experientes integrantes da Corte, Marco Aurélio concedeu, na véspera do recesso do Supremo, uma decisão monocrática (individual) que abria caminho para a soltura de aproximadamente 169 mil presos no País, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Condenado no âmbito da Operação Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá (SP), Lula foi preso em abril deste ano depois de ser sentenciado a 12 anos e 1 mês de reclusão pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).

Toffoli acolheu recurso apresentado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A suspensão da liminar irá vigorar até que o plenário do Supremo, composto por 11 ministros, julgue as ações que tratam da execução provisória da pena. A análise desses processos está marcada para o dia 10 de abril do ano que vem.

Relator das ações que tratam da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância no Supremo, Marco Aurélio justificou sua liminar pela demora de os presidentes da Corte em pautar os casos. “Depois de quarenta anos de toga não posso conviver com manipulação da pauta”, disse (mais informações na pág. A8).

No recurso apresentado a Toffoli, a chefe da Procuradoria-Geral da República afirmou que a situação gerada pela liminar de Marco Aurélio era uma “evidente” afronta à segurança e à ordem pública.

A decisão de Marco Aurélio Mello determinava a libertação daqueles que começaram a cumprir prisão sem o esgotamento de todos os recursos referentes à condenação. Na prática, as defesas precisariam solicitar aos juízes responsáveis pela execução penal a liberdade de seus clientes. A liminar não previa a soltura automática dos condenados e excluía dos efeitos da suspensão os presos que cumprem prisão preventiva.

No âmbito da Lava Jato, após a decisão se tornar pública, defesas de condenados iniciaram uma verdadeira corrida para apresentar recursos em favor de seus clientes (mais informações na pág. A6). A defesa de Lula apresentou um pedido de liberdade 48 minutos depois de a determinação de Marco Aurélio ser noticiada.

Além da defesa do ex-presidente, advogados dos ex-tesoureiros do PT Delúbio Soares e João Vaccari Neto, do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque e do ex-diretor da Engevix Gerson Almada, todos condenados na Lava Jato, também entraram com recurso pedindo a liberdade dos clientes – que foram suspensos com a decisão de Toffoli.

Militares. A liminar concedida por Marco Aurélio também gerou diversas críticas nos círculos jurídico e político do País. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, convocou os generais do alto comando para uma reunião de emergência, por videoconferência. Ele pediu que ninguém se manifestasse sobre o caso, porque “o momento é de serenidade”, “de confiar nas instituições” e que “o assunto é exclusivo do Judiciário”.

Em reunião com seu futuro ministério durante todo o dia na Granja do Torto, Bolsonaro foi informado da decisão de Marco Aurélio. Baixou uma espécie de lei do silêncio e pediu aos presentes que não se pronunciassem sobre o caso. À noite, em mensagem no Twitter, Bolsonaro elogiou a decisão de Toffoli. “Parabéns ao presidente do Supremo Tribunal Federal por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada!”, escreveu.

Ex-juiz da Lava Jato e responsável pela condenação de Lula na primeira instância, Sérgio Moro, que comandará a Justiça e Segurança Pública, se limitou a dizer “sem comentários”. O titular da Cidadania, Osmar Terra, chegou a fazer um comentário crítico no Twitter, mas logo depois apagou a postagem.

Outras decisões. Marco Aurélio também concedeu ontem outras decisões liminares, entre elas uma que determinou que a votação para a eleição que definirá o nome do novo presidente do Senado deve ser com voto aberto. A eleição está marcada para ocorrer em 1.º de fevereiro do próximo ano (mais informações na pág. A10).

 

AS LIMINARES

Prisão em 2ª instância

Liminar do ministro do STF Marco Aurélio Mello atende a pedido do PCdoB e suspende a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, ou seja, a execução da pena fica vetada para aqueles que tenham sido presos sem que o processo tenha transitado em julgado, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No início da noite a decisão foi cassada pelo presidente da Corte Dias Toffoli.

Presidência do Senado

O ministro decidiu liminarmente que o nome do novo presidente do Senado deverá ser obrigatoriamente definido a partir de uma eleição com voto aberto. A eleição está marcada para ocorrer em 1º de fevereiro de 2019.

Cadeiras da Câmara

Marco Aurélio negou pedido do DEM para suspender as atuais regras de divisão de vagas na Câmara dos Deputados. A mudança ampliaria a bancado do partido de 30 para 32 deputados. A ação ainda poderia rifar Paulinho da Força (SD-SP), um dos líderes do Centrão, que perderia o mandato para Douglas Belchior (PSOL-SP).

Petrobrás

O ministro ainda decidiu suspender a eficácia de um decreto assinado pelo presidente Michel Temer relativo a regras de governança, transparência e boas práticas de mercado para a cessão de direitos de exploração e produção de petróleo e gás pela Petrobrás. A iniciativa deveria ser do Congresso Nacional, entendeu Marco Aurélio.