O Estado de São Paulo, n. 45719, 20/12/2018. Metrópole, p. A18

 

Polícia encontra dinehiro em fundo falso e armas na casa de João de Deus

Renan Truffi

20/12/2018

 

 

Investigação. Houve buscas em endereços do médium ontem e anteontem; não há explicação sobre os recursos e nenhuma das armas tinha registro. Primeiro inquérito sobre abuso focará tentativa de praticar ato libidinoso e posteriormente oferecer pedra e quadro

A Polícia Civil de Goiás anunciou ontem que encontrou, com base em mandados de busca e apreensão, aproximadamente R$ 405 mil em dinheiro vivo na residência do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, investigado por abuso sexual. A quantia estava em um fundo falso de um guarda-roupas no quarto dele, onde também foram encontradas cinco armas – uma delas com a numeração raspada. Ontem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus para libertá-lo.

Diferentes moedas, como reais, francos suíços, dólares americanos e canadenses, pesos argentinos e euros, foram localizadas. Ainda não se sabe a origem do dinheiro. Em princípio, nenhuma das armas tem registro da Polícia Federal ou do Exército e, por isso, o médium pode ter de responder por posse ilegal de arma de fogo, com agravante de uma delas ter a numeração raspada. Nova busca na Casa em Abadiânia foi feita ontem.

Questionado sobre a descoberta, o advogado de João de Deus, Alberto Toron, negou que o dinheiro tenha relação com a suposta movimentação de R$ 35 milhões nas contas do médium, registrada às vésperas da prisão dele, domingo. Ele disse que vai consultar seu cliente para saber a origem dos valores.

A própria Polícia Civil admite que esse dinheiro pode, sim, ser fruto das atividades religiosas. Nas buscas, os agentes encontraram, por exemplo, livros contábeis que apontam para um volume de circulação próximo a R$ 500 mil por mês na Casa.

Abusos. Tanto o dinheiro quanto as armas encontradas não devem ser utilizados, por enquanto, como provas no primeiro inquérito sobre abuso, previsto para ser concluído hoje. A Polícia Civil de Goiás deve se basear em um único caso.

O processo deve mostrar que o líder religioso ofereceu presentes a uma mulher de cerca de 40 anos, como uma pedra de valor e um quadro religioso, após tentar atos libidinosos.

Inicialmente, foram relatados 15 casos, mas só um deles é recente e não perdeu o prazo decadencial (período no qual a denúncia pode ser feita sem perder punibilidade). A vítima teria sido abusada em outubro.

A reportagem apurou que a mulher visitou a Casa várias vezes. Em uma das ocasiões, ficou sozinha com o médium. Com as luzes apagadas, ele teria tocado próximo da região íntima da denunciante, que, naquele momento, percebeu que ele estaria com o membro sexual para fora da roupa. Aos policiais, a vítima contou que resistiu e fez menção de interromper qualquer contato físico com o médium. Foi quando João de Deus teria oferecido a pedra e o quadro.

Conforme apurou o Estado, a Polícia Civil de Goiás deve oferecer a denúncia por um único crime, por enquanto: o de “praticar ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”, tipificação presente no artigo 215 do Código Penal. A pena prevista para esse crime é de até seis anos de reclusão, em regime fechado.

Ainda assim, a Polícia Civil e o Ministério Público de Goiás podem abrir novos inquéritos com base em novas denúncias. Apenas o MP já recebeu mais de 500 relatos de abuso sexual e 30 casos foram formalizados por meio de depoimentos recolhidos presencialmente nos Estados.

Ontem, o ministro Nefi Cordeiro indeferiu liminarmente o pedido de revogação da prisão preventiva do líder religioso. Em sua argumentação, o magistrado explicou que a prisão preventiva foi autorizada para “resguardar a investigação criminal, pois, ainda que seja vago o depoimento destacado de uma das vítimas, esta afirmou que eles a alertaram do risco de morte que ela estaria sendo submetida”.

506 denúncias foram enviadas por e-mail

8 de dezembro

O programa Conversa com Bial, da Rede Globo, traz a público as primeiras acusações.

9 de dezembro

Surgem mais denúncias e polícia abre inquérito. Na sequência, MP cria e-mail para colher provas.

17 de dezembro

Força-tarefa afirma ter recebido um total de 506 mensagens com acusações contra o médium.

19 de dezembro

Polícia finaliza inquérito que deve ter base em apenas um caso, que teria ocorrido recentemente.