O Estado de São Paulo, n. 45717, 18/12/2018. Política, p. A6
MP abre 22 apurações com base no Coaf
Constança Rezende e Marcio Dolzan
18/12/2018
Entre os investigados, está um ex-assessor de Flávio Bolsonaro; em 1.ª aparição pública após o caso, presidente eleito e filho evitam imprensa
Rio. Bolsonaro e Flávio durante inauguração do colégio Percy Geraldo Bolsonaro, que leva o nome do pai do presidente eleito
O Ministério Público do Rio abriu 22 procedimentos de investigação criminal com base no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que apontou movimentações atípicas em contas de pelo menos 20 assessores de deputados da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Entre os investigados está o policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente eleito Jair Bolsonaro.
O Coaf identificou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O documento cita um repasse de R$ 24 mil para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro – o presidente eleito disse que se tratava do pagamento de uma dívida antiga do policial militar com ele.
Ontem, no primeiro evento público em que apareceram juntos desde que o Estado revelou o relatório do Coaf, Bolsonaro e Flávio evitaram a imprensa.
Em nota, o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, informou que as investigações derivadas do Relatório de Inteligência Financeira do Coaf têm por objetivo esclarecer se há participação de parlamentares “em diversas movimentações financeiras atípicas” da Assembleia do Rio.
O documento do Coaf mapeou contas de 75 servidores e ex-funcionários da Alerj. No total, foram contabilizados R$ 207 milhões em transações consideradas não usuais. O procurador-geral de Justiça do Rio destacou, porém, que as movimentações atípicas indicadas pelo Coaf não necessariamente podem indicar alguma ilicitude.
As apurações criminais serão conduzidas pelo Grupo de Atribuição Originária Criminal do Ministério Público, que atua com o procurador-geral de Justiça. Os procedimentos, no entanto, foram divididos conforme a prerrogativa de cada parlamentar.
Os casos ligados aos deputados estaduais reeleitos citados ficarão sob a responsabilidade de Gussem. Os procedimentos envolvendo deputados que não foram reeleitos e os parlamentares que conquistaram vaga no Congresso, como no caso de Flávio Bolsonaro, serão conduzidos por promotores de Justiça – isso porque o entendimento é que não há mais foro privilegiado para situações como esta.
Já a eventual prática de improbidade administrativa será analisada pela subprocuradoria-geral de Justiça de Assuntos Cíveis e Institucionais. Segundo o Ministério Público, o órgão já adotou as medidas “pertinentes” em relação ao documento, mas tudo está sob sigilo.
O ex-assessor de Flávio Bolsonaro deverá depor amanhã. A assessoria do deputado não quis comentar o caso. Queiroz ou sua defesa não foram localizados.
Colégio militar. Jair Bolsonaro e Flávio estiveram ontem pela manhã na cidade da Baixada Fluminense para a inauguração do colégio Percy Geraldo Bolsonaro. A escola, que será dedicada a filhos de policiais militares do Rio de Janeiro, foi batizada com o nome do pai do presidente eleito.
Eles discursaram para uma plateia formada basicamente por policiais militares, autoridades estaduais e municipais e convidados da prefeitura de Duque de Caxias. Jair Bolsonaro chegou sob forte esquema de segurança. No seu discurso, repetiu falas do período eleitoral.
“Hoje nós vemos que os colégios militares estão na frente em grande parte dos demais. Não tem nada a ver no tocante à qualidade do professor, são muito parecidos. É que se perdeu ao longo do tempo a possibilidade do exercício de autoridade por parte dos mestres”, afirmou.
Quando pegou o microfone, Flávio enalteceu o pai. “Eu queria dizer o seguinte: o presidente eleito Jair Bolsonaro nem assumiu ainda e já está inaugurando uma escola militar”, disse.
'Autoridade'
“Hoje nós vemos que os colégios militares estão na frente em grande parte dos demais. Não tem nada a ver no tocante à qualidade do professor. É que se perdeu ao longo do tempo a possibilidade do exercício de autoridade por parte dos mestres.”
Jair Bolsonaro, PRESIDENTE ELEITO
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Luisa Marini e Larissa Lima
18/12/2018
Futuro titular da Justiça afirma que refúgio concedido por Lula a italiano teve ‘motivações político-partidárias’
O futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou ontem que não cabe ao Brasil interferir na condenação de Cesare Battisti e que o refúgio concedido ao italiano em 2009, no último dia do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve motivações “político partidárias”.
O ex-juiz da Lava Jato também considerou “acertada” a decisão do presidente Michel Temer, que na sexta-feira passada assinou o decreto de extradição do condenado italiano.
“Na minha avaliação, o asilo que foi concedido a ele (Battisti) anos atrás foi um asilo com motivações político-partidárias e em boa hora isso foi revisto”, disse Moro.
Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux revogou uma liminar (decisão provisória) concedida por ele mesmo a Battisti em 2017 e determinou a prisão cautelar para fins de extradição do italiano. No dia seguinte, Temer assinou o decreto de extradição.
Battisti não foi localizado e, até a conclusão desta edição, era considerado foragido. “A decisão é acertada. Lamentavelmente essa pessoa se encontra foragida”, afirmou Moro.
O italiano foi condenado em seu país por quatro assassinatos nos anos 1970. Moro disse que os países têm que cooperar contra a criminalidade e que a cooperação jurídica internacional não pode ser movida por critérios “político-partidários”.
Mérito. “A Itália é um país que tem o Judiciário forte, independente e não cabe ao Brasil ficar avaliando o mérito ou não da condenação”, disse Moro.
“Ele (Battisti) retornando a Itália, esperando que seja encontrado, cabe a ele levar as reclamações quanto eventual injustiça da condenação para os órgãos italianos que têm plenas condições de decidir qualquer problema que tenha havido eventualmente na condenação”, completou o ex-juiz da Operação Lava Jato. Moro destacou ainda que considera as cortes de justiças italianas “notórias pela sua independência”. Preso no Brasil em 2007, Battisti teve a extradição autorizada no STF em 2010 – durante o governo de Lula –, mas os ministros da Corte deixaram a palavra final para o presidente da República. O petista, atualmente condenado e preso na Lava Jato, negou, em seu último dia do segundo mandato, entregar o italiano às autoridades daquele país. Desde então Battisti vive no Brasil.
Agora, os advogados do italiano recorreram ao Supremo pedindo a revogação da prisão ou que o mérito seja apreciado pelo plenário ainda em 2018.