Título: Nas entrelinhas
Autor: Silva Pinto, Paulo
Fonte: Correio Braziliense, 13/07/2012, Política, p. 4

Longe dos holofotes Ser prefeito pode ser um bom caminho para enriquecer. E nem precisa ser de uma grande cidade. Reportagem de Josie Jeronimo publicada em 8 de julho no Correio mostra a evolução patrimonial dos administradores de três municípios do Entorno, eleitos em 2004 e reeleitos em 2008.

Na minúscula Vila Boa, com apenas 5 mil habitantes, o prefeito Waldir Gualberto (PT) começou o mandato com apenas um Gol 1983 na declaração de bens. Recebendo salário de R$ 9 mil, ele tem hoje uma fábrica de travesseiros e fraldas em Formosa, a cidade vizinha, onde, aliás, vive de fato. Em nome de irmãos, estão duas casas lotéricas, que valem R$ 550 mil. Suspeita-se que Gualberto seja o verdadeiro dono desses estabelecimentos. Também lhe é atribuída a propriedade de um edifício de cinco andares. Ele nega, e não acha estranho o fato de o imóvel pertencer a um amigo dele que é faxineiro do GDF. "Pessoas simples também podem ter coisas", argumenta. Cassado pela Câmara, Gualberto se mantém no cargo por força de decisão liminar da Justiça.

Já em Abadiânia, o também petista Itamar Vieira Gomes deixou o cargo por decisão do Tribunal Regional Eleitoral, condenado por compra de votos. Ele recorreu da decisão e conseguiu voltar. Mas responde a 10 ações na Justiça por improbidade administrativa. Com salário de R$ 12 mil, ele construiu um patrimônio que inclui casa às margens do Lago Corumbá e mais três terrenos. Quando chegou ao cargo, declarou apenas a posse de um carro popular, cujo financiamento ainda precisava ser quitado.

Em Luziânia, onde vivem 174 mil pessoas, o prefeito Célio Antônio da Silveira (PSDB), também investigado pelo MP, possuía um imóvel de R$ 47 mil em 2002 e dois carros. Hoje, tem sociedade em hospitais, entre outros bens.

A reportagem joga luz sobre as situações desconhecidas para muita gente que vive nos grandes centros urbanos, onde estão os principais jornais do país e emissoras de tevê. Dos 5.563 municípios, apenas 133 têm mais de 200 mil habitantes. As 26 capitais de estado e mais o Distrito Federal concentram 23,8% da população brasileira. Muitos brasileiros vivem em cidades que estão longe dos holofotes.

A falta de repercussão tende a contribuir para que algumas falcatruas não sejam notadas pelos eleitores. Mas não se pode dizer que seja sinônimo de impunidade. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 210 prefeitos foram cassados desde 2009, dos quais 48 por ilicitudes no processo eleitoral.

Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, esse número demonstra que os prefeitos passam por um crivo muito mais severo da população do que os governadores e a presidente da República. "Se um trator da prefeitura é usado para beneficiar o amigo do prefeito de uma pequena cidade, todo mundo fica sabendo. O trabalho dele é acompanhado a todo momento pela comunidade", argumenta.

O problema é que o fato de os cidadãos conhecerem irregularidades não é garantia de que irão se movimentar para que haja punição. Com base no raciocínio "rouba, mas faz", muita gente pode achar que não vale a pena levar denúncias adiante. Em outros casos, a imobilidade é resultado do temor de sofrer retaliações — a história de que todos se conhecem aqui joga contra. Ziulkoski admite que a fiscalização não é homogênea em todos os municípios. Depende do que ele atribui a fatores culturais. No Sul, diz, é mais efetiva. No Sudeste é heterogênea. Nas outras regiões, é mais fraca do que nessas duas.

Ziulkoski também pondera que prefeitos sabem que não vão escapar se fizerem algo errado porque não têm poder de nomear integrantes dos tribunais de contas (exceto em algumas capitais) e o comando do Judiciário e do Ministério Público. É verdade. Mas também é verdade que, muitas vezes, o que entra em negociação no alinhamento de prefeitos com os governadores é exatamente a garantia de acobertamento institucional. Há tribunais de contas nos estados que são muito mais rigorosos com prefeitos de oposição do que com os que integram a base do governador.

O caso das cidades do Entorno demonstra que as suspeitas de falcatruas não passam necessariamente despercebidas, ainda que o município seja pequeno. O número de prefeitos cassados desde 2009 mostra que nenhum corrupto pode ter certeza de que escapará da impunidade. Mas não se pode afirmar com certeza se as ilicitudes estão aumentando ou diminuindo. Tampouco se a fiscalização do Estado está mais ou menos eficiente. A única certeza é e que os brasileiros ainda terão muito trabalho pela frente se quiserem dispor de administradores confiáveis.