O Estado de São Paulo, n. 45753, 23/01/2019. Economia, p. B3

 

Bolsonaro só teve assunto para 15 minutos em Davos

23/01/2019

 

 

Presidente apresenta seu governo como livre de ideologias e formado por pessoas qualificadas; reforma da Previdência é ignorada

Em Davos, Jair Bolsonaro apresentou seu governo como livre de ideologias, comprometido com a moralidade e, enfim, guiado pelo lema “Deus acima de tudo”, informa

O presidente Jair Bolsonaro foi um campeão de brevidade em sua apresentação no Fórum Econômico Mundial. Quinze minutos bastaram para seu discurso e para a entrevista realizada pelo fundador e presidente do fórum, professor Klaus Schwab. Foram suficientes para apresentar seu governo como livre de ideologias, formado de pessoas qualificadas, comprometido com a moralidade, a abertura comercial, a segurança, a preservação do ambiente, reformas estruturais e promoção do crescimento e, enfim, guiado pelo lema “Deus acima de tudo”. Sem menção direta no discurso, a reforma da Previdência só foi citada de forma explícita na resposta a uma pergunta de Schwab. Prevista inicialmente para 45 minutos, a sessão foi reduzida para 30 minutos, na atualização do programa, e acabou durando apenas 15 minutos.

Bolsonaro discursou entre um desastre natural e um pronunciamento do secretário de Estado americano, Michael Pompeo, um dos principais auxiliares do presidente Donald Trump, apontado como esperança do Ocidente pelo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Cinco milhões de toneladas de gelo desabaram diante do público pouco antes de entrar no palco o presidente brasileiro. O desabamento de uma geleira de um quilômetro de comprimento, com altura de um arranhacéu, foi mostrado em vídeo, no fim da sessão de homenagem ao naturalista e ambientalista britânico sir David Attenborough, premiado pelo fórum na seção dos Crystal Awards.

O desmoronamento no Ártico foi mostrado como ilustração do aquecimento do globo, tese rejeitada por autoridades brasileiras como parte de um embuste internacional. Mas o presidente Bolsonaro afirmou o compromisso de seu governo com a preservação ambiental e

citou a agropecuária brasileira como atividade respeitadora da natureza. É missão de seu governo, explicou, avançar na compatibilização da defesa do ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico. A agricultura, lembrou, usa apenas 9% do território nacional e a pecuária ocupa menos de 20%.

Crise. O presidente afirmou ter tomado posse numa situação de “profunda crise ética, moral e econômica”. Prometeu moralidade e citou o ministro da Justiça, Sérgio Moro, como “o homem certo” para o combate à corrupção. Afirmou dispor de credibilidade para realizar o programa de reformas esperado pelo mundo.

Anunciou uma agenda de promoção do crescimento, com redução da carga tributária, simplificação de normas e facilitação da vida de quem deseja empreender, produzir e gerar empregos. Essa passagem com o recado mais explícito aos investidores estrangeiros, foi completada com a promessa de trabalhar pela estabilidade macroeconômica, com privatização, respeito a contratos e abertura da economia. As mudanças, profetizou, colocarão o País entre os 50 melhores para fazer negócios.

Mencionou o plano de ingressar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o compromisso de trabalhar pela reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao mencionar o objetivo de eliminar “as práticas desleais de comércio”, repetiu, sem citar nomes, o argumento normalmente usado pelo presidente Donald Trump em seus ataques à política comercial chinesa.

O presidente Bolsonaro prometeu trabalhar pelo resgate dos valores brasileiros e pela defesa da restauração dos “verdadeiros direitos humanos”, exemplificados com os direitos à vida e à propriedade privada.

Uma novidade foi a menção à necessidade de preparar a juventude para a quarta revolução industrial, um tema normalmente ignorado pelo ministro da Educação, mais preocupado com assuntos como a influência marxista e a discussão de questões de gênero nas escolas.

História. “Temos o compromisso de mudar a história”, disse o presidente. “Pela primeira vez no Brasil”, acrescentou, “um presidente montou uma equipe de ministros qualificados”. Entendida literalmente, essa declaração apresenta o ministro da Economia, Paulo Guedes, como o primeiro qualificado para sua função, muito acima, portanto, de figuras como Roberto Campos, Otávio Bulhões, Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen e Pedro Malan, para citar só algumas figuras de boa reputação acadêmica e técnica. Pelo mesmo critério, o chanceler Ernesto Araújo, conhecido por apontar Donald Trump como esperança do Ocidente, desbanca até o barão do Rio Branco.

Encerrada a sessão do presidente Bolsonaro, começou a do secretário de Estado americano, Michael Pompeo, realizada por videoconferência.