Correio braziliense, n. 20226, 06/10/2018. Opinião, p. 11

 

Tributação de combustível, caminho contra sonegação

Everardo Maciel 

06/10/2018

 

 

São muitas as razões para a oneração desproporcional de determinados produtos. Antes, se alegava a contenção da demanda inspirada pelo fundamentalismo religioso, no âmbito dos denominados impostos do pecado, resultando em carga elevada para o jogo, o tabaco e a bebida. Hoje, a oneração pesada encontra explicação ora no princípio da seletividade, que privilegia os produtos de consumo de massa vis-à-vis os tidos como supérfluos, ora na facilidade de cobrança pelo fisco.

Por uma razão ou outra, a tributação desproporcional abre espaço para o surgimento de atividades criminosas, cuja índole oportunista percebe que o não pagamento de tributos constitui fonte de renda, malgrado ilícita, que pode superar os riscos envolvidos. Para tal se vale desde a sonegação até artificiosas manobras judiciais, lastreadas na morosidade dos processos e na prodigalidade dos recursos. Os possíveis efeitos perversos da tributação desproporcional se agravam quando existe uma grande diversidade de tratamento, como na tributação de combustíveis.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre os combustíveis, por exemplo, é elevado e diversificado: a gasolina é tributada com oito alíquotas que variam de 25% a 34%; o diesel, com sete alíquotas que variam de 12 a 25%; e o etanol hidratado, com 12, que variam de 12 a 30%. Ao ICMS, se soma a tributação federal, amplificando as distorções.

Esse quadro, em boa medida, se explica pela equivocada incorporação dos combustíveis à base de cálculo do ICMS, na Constituição de 1988. Hoje, representam 23% da arrecadação nacional do imposto ou 48%, quando se consideram energia elétrica e telecomunicações, também incorporadas ao ICMS. O peso e a diversidade da tributação estimulam a atividade criminosa. Não sem razão, estimativas produzidas pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2017, revelam que a sonegação e a inadimplência dos tributos incidentes sobre combustíveis atingem um montante anual de R$ 4,8 bilhões. Por sua vez, os valores inscritos em dívida ativa, com escassa possibilidade de recuperação, se elevam a R$ 60 bilhões.

Essas circunstâncias não impactam apenas receitas e, por consequência, gasto público, mas competição justa, desestimulando o investimento, com repercussões perversas sobre o emprego e a renda. Para prevenir a sonegação, o fisco tem se valido, principalmente, da substituição tributária, que permite a cobrança antecipada de tributos sem a participação da atividade varejista, em que há maior potencial de evasão.

Ocorre que, depois de marchas e contramarchas jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2017, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 593.849/MG, reviu o entendimento fixado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.851/AL, em 2002, para estabelecer que é devida a restituição do ICMS pago a maior, na substituição tributária para a frente, sempre que a base de cálculo presumida foi superior à efetiva.Em outras palavras, não há mais definitividade na substituição tributária, o que enfraquece, sobremaneira, sua eficácia no enfrentamento da evasão fiscal, à medida que há estímulo ao subfaturamento, na atividade varejista, de difícil e custosa verificação pelo fisco.

Evidentemente, os problemas que hoje existem na tributação de combustíveis tendem a se agravar. Para mitigá-los, ao menos no plano da diversidade dos tributos estaduais, um caminho seria recorrer a normas instituídas pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001. Elas permitem a incidência monofásica do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, especificados em lei complementar, com alíquotas internas uniformes por produto, admitida a incidência por unidade física (alíquotas ad rem) e reduzidas ou restabelecidas sem sujeição à anterioridade. Um modelo simples, flexível, com maior previsibilidade para o fisco e contribuinte, e menor vulnerabilidade à sonegação. (...)