O globo, n. 31142, 11/11/2018. País, p. 4

 

Freio a Bolsonaro

Amanda Almeida

11/11/2018

 

 

Senado articula barrar Escola sem Partido e ‘agenda da bala’

Com a perspectiva de um novo governo patrocinando projetos polêmicos — como a liberação do porte de armas, o enquadramento de movimentos sociais na Lei Antiterrorismo e o Escola sem Partido —, parlamentares de diferentes partidos se articulam par atentar fazer do Senado a“casado equilíbrio” da República. Temendo a radicalização nessas pautas, até senadores de PT e PSDB admitem se alinhar na votação dos projetos.

As costuras passam pela escolha do presidente do Senado, no ano que vem. Diferentes lideranças defendem um senador de perfil moderado, sem alinhamento direto com o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), mas que não faça parte da oposição a ele. Por trás desse discurso, a articulação é para encontrar um nome com força para pôr freio a eventuais propostas na agenda do governo que provoquem tensão social.

— Há muitos senadores novos cuja opinião não conhecemos, mas o consenso entre os partidos é a favor de uma Casa moderada, que não faça oposição sistemática. O governo foi eleito e o Brasil tem de ir para frente. Tudo aquilo que for de interesse do país, vamos votar a favor. Mas, também agiremos para que questões mais radicais sejam contidas aqui e a gente mantenha o equilíbrio — diz o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Assessores dos partidos na Casa calculam que, entre os 81 senadores, Bolsonaro tem, por ora, uma bancada de cerca de 20 parlamentares de partidos como o PSL, PSC, PTB e Podemos alinhados a ele. A tentativa da legenda do presidente eleito é aumentar esse número. A intenção das lideranças que defendem a necessidade deter um Senado capaz debarr aruma agenda muito c ons ervadoraé formar maioria junto coma“oposição ferrenha” a Bolsonaro, além dos senadores independentes, que admitem apoiar o presidente eleito em parte da agenda econômica, mas não nos projetos com maior apelo ideológico.

Oposição dividida

Com pretensão de se diferenciar do PT, o bloco em gestação liderado pelo PDT, que reúne PPS, PSB e Rede, pretende fazer uma “oposição propositiva”.

— Vamos ter de aceitar a agenda do Executivo, porque ele foi referendado pelas urnas. Obviamente, não faremos uma aprovação automática. Vamos aprimorar, questionar pontos e, com certeza, evitar essas maluquices — diz o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE).

O PSDB deve se reunir até o fim do ano para decidir sua posição sobre o governo. Independentemente disso, Tasso diz que senadores do partido admitem conversas até com o PT em pautas com radicalismos:

— Com o PT, temos visões bastante diferentes na linha econômica. Mas, em matéria de comportamento, é bem possível e provável que haja alinhamento. Os petistas também estão abertos a esse diálogo. O senador Humberto Costa (PTPE) disse à revista ÉPOCA que “não vê problema de termos as mesmas posições (de senadores de partidos como PSDB e DEM) num enfrentamento a Bolsonaro”. A tentativa de dar ao Senado a feição de “poder moderador” passa pelas articulações em torno do comando da Casa. A preferência é por um nome que chegue com o discurso de que não atrapalhará o governo em pautas importantes para o país, mas que dê aos senadores a segurança de que enfrentará o grupo de Bolsonaro quando necessário. Um dos nomes cotados por esses senadores contrários às pautas radicais é o de Renan Calheiros (MDB-AL). Publicamente, ele já tenta se colocar como um agregador. Questionado pelo GLOBO sobre a agenda conservadora, ele desconversou, dizendo que “é preciso esperar os novos senadores” e que a Casa pode colaborar com as propostas que “façam mudanças que o Brasil quer”.

— O papel do novo governo é preponderante. O Parlamento deve fazer um planejamento das matérias que devem ser votadas. Isso amadurece o Parlamento. Quando necessário, é possível recorrer a referendos, como fiz (como presidente do Senado, em 2005) sobre a vendas de armas.

Judiciário preocupado

Senadores relatam que, alarmados com essas propostas, representantes do Judiciário têm manifestado a eles a necessidade de que o Senado seja uma “casa de contenção”. O temor é de que o Judiciário se fragilize caso tenha de assumir o papel de derrubar projetos aprovados. Composto por políticos mais experientes do que os deputados, o Senado tradicionalmente atua como uma casa demais moderação. Soba presidência do próprio Renan, entre 2013 e 2016, deixou na gaveta projetos polêmicos pautados pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha( MDB- RJ ), como a redução da maioridade penal e a terceirização irrestrita. O atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), manteve a mesma linha.

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Sem lotear cargos, eleito aposta em bancadas de boi, bala e Bíblia 

Catarina Alencastro

11/11/2018

 

 

Novo presidente espera ainda que governadores enquadrem deputados

Desde antes de ser eleito presidente, Jair Bolsonaro avisava que não faria loteamento de cargos, e que, sob sua gestão, a relação com o Congresso seria sem o famoso toma lá dá cá. As primeiras nomeações ministeriais confirmam a promessa. A dúvida é sobre como se dará na prática a rotina de negociação do Palácio do Planalto com a Câmara e o Senado, já que, oficialmente, a função deve ficar com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que tem uma relação conturbada com um grupo de deputados.

O presidente eleito aposta em receber apoio maciço das três frentes parlamentares que o ajudaram a ganhar a eleição — a ruralista, a da segurança pública e a religiosa. Além disso, contará com alguns homens de confiança tanto na Câmara quanto no Senado. E, finalizando o tripé, tem se aproximado de governadores alinhados a ele para que, quando necessário, os líderes estaduais pressionem as bancadas eleitas em suas bases em prol de projetos do Planalto.

Bolsonaro terá dois filhos no Congresso: o deputado mais votado do Brasil, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), na Câmara, e Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) no Senado. Na primeira semana que passou em Brasília após a eleição, a dupla acompanhou o pai em todos os compromissos. Eduardo será o líder do PSL na Câmara e disse, em entrevista ao GLOBO, que será uma espécie de “líder do governo sem ser”. Flávio, o mais velho, tem um perfil mais contido. Pessoas próximas ao presidente eleito contam que ele ouve muito o primogênito.

Outros que não têm o sobrenome Bolsonaro, mas despontam como potenciais articuladores do futuro presidente no Congresso são os deputados Alceu Moreira (MDBRS) e Luís Carlos Heinze (PPRS). Alceu tem se movimentado como pré-candidato à Presidência da Câmara, e Heinze, que assumirá uma cadeira no Senado,é próximo a Bolsonaro há 20 anos. Foi pelas mãos de Alceu que a coordenadora da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM-MS), chegou para o encontro com Bolso na rodo qual saiu como futura ministra da Agricultura. Na pior das hipóteses, Alceu substituirá Tereza como coordenador da frente.

— Alceu é ponta firme. Certamente vai dar muito apoio ao presidente — avalia Tereza Cristina.

Já Heinze, mesmo como novato no Senado, já se prontifica como ajudante de Bolsonaro na tarefa de negociar com os pares. Ele diz estar certo de que o PP dará apoio ao novo governo.

— Vamos ajudar sem troca por cargo. E vão ter outras pessoas também—disse Heinze.

O comportamento de Bolsonaro em relação à eleição para a presidência da Câmara dará o tom de sua relação com os parlamentares. O favorito, até o momento, é o atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além dele, movimentam-se Alceu e os deputados João Campos (PRB-GO), que é da bancada da Bíblia e tem proximidade com Bolsonaro e seus principais apoiadores, Fernando Giacobo (PR-PR), Capitão Augusto (PR-SP) e Fábio Ramalho (MDB-MG).