Correio braziliense, n. 20247, 27/10/2018. Política, p. 2

 

Juízes criticam ações em universidades

Camilla Venosa, Lucas Gonçalves e Paloma Olivento 

27/10/2018

 

 

As intervenções da Polícia Federal em universidades públicas de nove estados brasileiros, a pedido dos tribunais regionais eleitorais, provocaram a reação de ministros do Judiciário e de procuradores federais, que se mostram preocupados com violações à liberdade de pensamento e expressão. Entre terça e quinta-feira, ao menos 17 instituições de ensino foram alvo de apreensões e notificações, além de interrupção de aulas, o que deflagrou manifestações ontem em diversas cidades, incluindo Brasília (Leia mais nesta página). As ações da PF foram provocadas por pedidos da própria Justiça Eleitoral ou do Ministério Público Eleitoral por suposta propaganda eleitoral irregular a favor do candidato do PT ao Palácio do Planalto, Fernando Haddad, que disputa o segundo turno das eleições presidenciais com Jair Bolsonaro (PSL).


Ontem, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, publicou uma nota dizendo que a Corte “sempre defendeu a autonomia e a independência das universidades brasileiras, bem como o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífica. Essa liberdade é o pilar sobre o qual se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito”. Na abertura da sessão extraordinária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que pedirá ao Supremo liminar para “restabelecer a liberdade de expressão e de reunião de estudantes e de professores” nas universidades. No entendimento do Ministério Público Federal, as faixas e os panfletos apreendidos, com dizeres como “Direito UFF Antifascista”, “Marielle Franco presente” e “Ditadura nunca mais” não violam e a Lei nº 9504/97, que veda a propaganda eleitoral em prédios públicos.

Em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos afirmou que interpretar esses dizeres, assim como debates e manifestações nas universidades como propaganda eleitoral “transborda os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual”.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, disse na abertura da sessão que o órgão, por meio da Corregedoria Eleitoral da Justiça Eleitoral, “está adotando todas as providências cabíveis para esclarecer as circunstâncias e coibir eventuais excessos no exercício do poder de polícia eleitoral”. No fim do dia, o órgão emitiu nota à imprensa, dizendo que “a atuação do poder de polícia — que compete única e exclusivamente à Justiça Eleitoral — há de se fazer com respeito aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito. O poder de polícia não prescinde da observância do devido processo legal, e o emprego de medidas restritivas à propaganda eleitoral há de ser feito com cautela e sob os limites da lei”.

A notificação à diretoria da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde estudantes afixaram uma faixa com os dizeres “Direito UFF Antifascista”, é assinada pela juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, da 199ª zona eleitoral, em Niterói (RJ). No mandado, ela justifica o “sentido político-eleitoral” da faixa pelo fato de paredes e armários do Centro Acadêmico (CAEV) conterem adesivos em apoio à candidatura de Haddad, e de haver, no local, panfletos associando Bolsonaro ao fascismo.

Notificado pela juíza, o diretor da faculdade, Wilson Madeira Filho, impetrou um habeas corpus no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. “É extremamente grave que a Autoridade Judiciária interprete como ‘propaganda eleitoral negativa’, a qualquer candidato, uma faixa que não faz qualquer alusão a partidos ou candidatos e expresse, apenas, a irresignação da academia ao fascismo e a atitudes fascistas”, alega o documento.

Cautela

Em São Paulo, onde participou de um evento na Uninove, o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que a Justiça precisa ter “cautela” para evitar exageros nas ações em universidades e faculdades. “Nós precisamos ter uma relação dialógica e menos repressiva”, disse. Ressaltando que não se referia especificamente ao caso em questão, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello afirmou que a “universidade é campo do saber”, o que pressupõe liberdade de expressão. “Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível”, disse. Citado pela Folha de S. Paulo, o ministro do STF Luís Carlos Barroso comentou que não falaria sobre “casos concretos”, mas ressaltou que a polícia só deve entrar na universidade “para estudar”.

OAB também critica ações

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, afirmou, por meio de nota, condenar “toda forma de censura e violência política”, em reação aos mandados de busca e apreensão dentro de universidades. “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) reforça sua posição em defesa do direito de livre manifestação. Ele é limitado apenas pela necessidade de ser exercido de modo pacífico e sem incitação ao ódio e à violência”, diz o documento. “A OAB, maior entidade da sociedade civil brasileira, é formada por mais de 1,1 milhão de inscritos. Não apoiamos nenhum candidato ou partido. Nossa ideologia é a Constituição”, conclui.