Correio braziliense, n. 20247, 27/10/2018. Economia, p. 8

 

Década perdida para a renda do brasileiro

Rosana Hessel 

27/10/2018

 

 

A economia brasileira está se recuperando da recessão de 2015 e 2016 em ritmo mais lento do que o esperado. Com isso, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que é o resultado da divisão de todas as riquezas do país pela população brasileira, de 209 milhões atualmente, deve levar mais tempo para voltar ao patamar pré-crise. Pelas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o pico registrado em 2011, de US$ 13,2 mil, não será recuperado, pelo menos, até 2023, último ano das estimativas do organismo multilateral. Ao que tudo indica, a retomada da renda média dos brasileiros deve levar mais de uma década, mesmo se o próximo governo fizer as reformas econômicas de que o país precisa. Caso isso não ocorra, a tendência será pior, dizem especialistas.


Durante a crise, o PIB per capita caiu mais do que a produção bruta da economia. Enquanto o PIB nominal encolheu, em termos reais, 3,5% em 2015 e igual percentual em 2016, a evolução da renda média dos brasileiros foi negativa por três anos seguidos, recuando 0,4%, 4,3% e 4,2% em 2014, 2015 e 2016, respectivamente, acumulando uma perda de quase 10% no período. “Foi a maior queda já registrada no país, com a recessão muito profunda e longa. Estamos falando de mais de uma década perdida”, explica Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) 

Produtividade

Segundo o economista, mesmo em cenário otimista, com reformas estruturais e fiscais que permitam a volta do crescimento sustentável, o PIB per capita voltaria ao patamar pré-crise apenas depois de 2023. “Para que conseguíssemos chegar antes ao nível de 2013, além das reformas macrofiscais, teríamos de implantar medidas que estimulassem a produtividade. Para isso, é preciso uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico e social”, afirma. E também disciplina fiscal. “Sem o teto de gastos públicos, a confiança e o investimento não voltam, pois a dívida pública está crescendo em ritmo muito forte , o que não permite manter os juros em patamar razoável”, observa.

Analistas afirmam que, sem arrumar as contas públicas, que caminham para terminar 2018 em deficit pelo quinto ano consecutivo, o país ficará preso na armadilha da renda média-baixa. Neste ano, o PIB per capita brasileiro, medido em dólares, deve ficar em US$ 9,1 mil, valor inferior ao do Chile, de US$ 16,1 mil, conforme dados do FMI. A China passou o Brasil nesse indicador desde 2014, e países vizinhos emergentes, como Colômbia e México, estão no mesmo caminho. O PIB per capita chinês para este ano é estimado pelo FMI em US$ 9,6 mil, mesmo valor do mexicano. O da Colômbia, de US$ 6,7 mil, vem crescendo em ritmo mais acelerado que o do Brasil. Até Botsuana, país africano de 2,2 milhões de habitantes, ameaça alcançar renda per capita superior à brasileira.

“Com a recessão, demos vários passos para trás, e o país ficou muito mais distante de conseguir chegar ao patamar dos países desenvolvidos”, lamenta Juliana Inhasz, professora de economia do Insper. “O país tem perdido competitividade. Se o próximo governo fizer tudo certo e não cometer nenhuma loucura e fizer o ajuste fiscal, o patamar de 2011 pode ser recuperado entre 2026 e 2028”, acredita. Pelas contas da economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, a retomada do valor que o PIB per capita tinha em 2013 só ocorrerá a partir de 2027, se o próximo governo fizer as reformas e mantiver o teto de gastos públicos. 

Potencial 

De maneira geral, os analistas admitem que é possível encurtar o prazo de recuperação mediante reformas e medidas bem-sucedidas para melhorar a produtividade da economia. Segundo Cláudio Considera, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a economia tem potencial para crescer acima de 3%, mas, como a bagunça econômica foi muito grande nos últimos anos, o PIB potencial encolheu para menos de 2%. “Se a economia voltar a ter paz, sem assalto aos cofres públicos, o Brasil voltará a crescer. Assim , Botsuana não vai nos pegar”, completa.

Na opinião de Alessandra, da Tendências, outra medida que deveria ser tomada logo no início do mandato do próximo presidente é a mudança da regra de reajuste do salário mínimo. “Com uma revisão é possível incorporar uma taxa de crescimento menor do que a do PIB nominal. Talvez a do PIB per capita”, aposta. Há uma década, a correção do piso salarial utiliza uma fórmula que soma a variação do PIB de dois anos antes com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior. Essa regra expira em 2019, portanto, o novo presidente poderá prorrogá-la ou modificá-la.