O globo, n. 31153, 22/11/2018. País, p. 4
Menos políticos, mais queixas
Amanda Almeida
Eduardo Bresciani
Geralda Doca
22/11/2018
Bolsonaro escolhe dois terços do Ministério e ouve cobranças do próprio partido
A pouco mais de um mês da posse, o presidente eleito, Jair Bolsonaro , entrou na fase final de montagem do Ministério ao chegar a 12 dos 18 titulares anunciados. Com a confirmação de Gustavo Bebianno para a Secretaria-Geral da Presidência — uma das últimas vagas ministeriais no Palácio do Planalto — e de André Luiz Mendonça para a chefia da Advocacia-Geral da União (AGU), o primeiro escalão de Bolsonaro segue o roteiro indicado na campanha.
Até agora, são onze homens, uma mulher e nenhuma indicação partidária. Protagonistas na montagem de diferentes governos nas últimas décadas, os partidos e seus líderes foram mantidos à margem das conversas e dos planos do futuro governo, pelo menos momentaneamente.
A estratégia política, no entanto, já provoca reflexos. Além de a futura gestão não ter emplacado votações importantes ainda este ano, como a da reforma da Previdência, e do revés sofrido com a aprovação do aumento do Judiciário (um impacto de R$ 4 bilhões no orçamento), as cobranças por espaço começaram a aparecer. Um dos pontos de conflito é a força demonstrada pelo futuro ministro da Casa Civil, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) — um político tradicional, mas cuja indicação pertence à cota pessoal do presidente eleito e não passou pelo comando do DEM.
Durante uma reunião, na quarta-feira, com a futura bancada do PSL na Câmara, Bolsonaro ouviu reclamações, especialmente sobre o espaço dado a Onyx nas escolhas. O partido é, hoje, a segunda maior bancada da Casa e poderá ultrapassar o PT até a posse. O parlamentar atuou para emplacar dois aliados em pastas importantes, ambos deputados pelo DEM do Mato Grosso do Sul: Luiz Henrique Mandetta na Saúde, e Tereza Cristina na Agricultura. Nos dois casos, as bancadas ligadas aos setores endossaram as indicações — Mandetta é médico, enquanto Tereza Cristina é a presidente da Frente Parlamentar Agropecuária.
Aposta no diálogo direto
Ontem, Onyx minimizou o fato de três dos ministros já escolhidos serem do DEM, legenda que não apoiou Bolsonaro na campanha:
— Não tem essa conotação que alguns setores querem dar de que há uma articulação para privilegiar o DEM. Foi apenas uma coincidência.
Segundo a deputada eleita Joice Hasselmann (PSL-SP), a bancada do partido fez cobranças diante da dificuldade de interlocução com o governo eleito. A principal insatisfação decorre da falta de espaço dentro da futura gestão.
— Nossa bancada quer ser ouvida. Vamos ajudar o governo e queremos que seja uma via de mão dupla. Alguns parlamentares apresentaram descontentamento: “Ah, por que nós não estamos sendo ouvidos pelo governo?”. Pedi calma, porque o governo vai ouvir todo mundo — contou Joice.
Ao ver o próprio partido exigir espaço, Bolsonaro prometeu apoio aos parlamentares da sigla, mas disse que quer evitar o “toma lá, dá cá” no relacionamento com o Legislativo. Ele repetiu o discurso, frequente na campanha, de que o “Brasil não terá uma segunda chance para mudar”.
— O caminho é pelo fim do toma lá, dá cá. Precisamos buscar o equilíbrio para que o presidente tenha governabilidade pautada pela forma mais republicana de relacionamento — disse o deputado reeleito Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG).
As adversidades enfrentadas até agora são creditadas pelo gabinete de Bolsonaro a uma reação da banda fisiológica do Congresso derrotada nas urnas. Mas, a cada dia tornam-se mais visíveis as pressões e as disputas de poder dentro da própria equipe do presidente eleito e de setores políticos aliados.
Ciente das dificuldades de evitar o fisiologismo dos partidos, Bolsonaro estabeleceu uma estratégia para blindar-se de conversas indigestas ao escalar Onyx para dialogar com líderes partidários. Seguindo a promessa de campanha, o presidente eleito quer estruturar sua governabilidade a partir da popularidade conquistada nas urnas e na “legitimidade” de suas propostas. Mas pretende também trocar a influência dos principais líderes partidários pelo diálogo direto com parlamentares, pelo o apoio específico de frentes setoriais do Parlamento e pelo empenho das bancadas regionais, lideradas pelos governadores.
Ontem, foram escolhidos os comandantes do Exército (general Edson Leal Pujol), Marinha (almirante Ilques Barbosa Júnior) e Aeronáutica (tenente-coronel brigadeiro do ar Antônio Carlos Moretti Bermudez).
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Realidade e 'nova política' distantes
Robson Bonin
22/11/2018
O presidente eleito, Jair Bolsonaro , recolheu nas urnas quase 58 milhões de votos prometendo administrar o país com os melhores, sepultar as velhas práticas políticas e restaurar o governo do convencimento, pautado nas ideias, não em cargos e verbas. Ao chegar a Brasília depois de eleito, porém, o presidente viu-se no abismo que separa as palavras da realidade.
Além de desistir dos planos de votar a reforma da previdência no atual Congresso, teve de contabilizar o rombo de R$ 4 bilhões no já combalido orçamento de 2019, aberto com a aprovação do reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Superado o susto dos primeiros dias, Bolsonaro fecha a terceira semana de transição com um governo praticamente montado a partir de suas convicções e do que prometeu fazer na campanha. Enquanto os partidos e os caciques partidários fazem apostas sobre o sucesso ou o calvário do futuro presidente, Bolsonaro loteou seu governo de militares conhecidos pelas carreiras técnicas. Emplacou como avalista do governo o ex-juiz Sergio Moro e deu carta branca para ele implantar em Brasília a sua “República de Curitiba”. Fez o mesmo na Economia, ao encarregar Paulo Guedes da montagem da equipe na Esplanada e nas estatais.
Para além do RH federal, ao participar de uma reunião com governadores, na semana passada, o presidente eleito deflagrou a estratégia de governar Brasília a partir dos interesses da federação, valendo-se para isso da boa vontade dos eleitos diante da penúria fiscal dos estados. Em vez de distribuir ministérios a partidos e caciques conhecidos da crônica político-policial, Bolsonaro prometeu partilhar o dinheiro com os tesouros estaduais.
Movimentos inovadores — dado o passado recente do país — que poderiam garantir uma pisada minimamente tranquila na rampa presidencial, não fosse novamente a distância entre as promessas e a realidade. A “nova política” prometida por Bolsonaro assumirá o Planalto em janeiro liderada pelo ministro Onyx Lorenzoni, que carrega no currículo o peso de já ter admitido caixa dois eleitoral.
Na conta do aliado gaúcho, também assumirão postos importantes no governo a ruralista Tereza Cristina (DEM-MS) e o ortopedista Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). A primeira já teve de explicar relações com a JBS. O segundo, como O GLOBO revela nesta edição, vem sofrendo para explicar seu passado de secretário de Saúde em Campo Grande. Cioso do que lhe aguarda, Bolsonaro já avisou: “100%, eu só confio no meu pai e na minha mãe.”