O globo, n. 31152, 21/11/2018. País, p. 4

 

Contra o 'convênio' Cuba-PT

André de Souza

Catarina Alencastro

Mateus Coutinho

Renata Mariz

21/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Indicado por Bolsonaro para Saúde, Mandetta ataca o programa Mais Médicos

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, confirmou ontem a escolha do deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) para comandar o Ministério da Saúde, o segundo maior orçamento da Esplanada, com R$ 128 bilhões para 2019. Em meio à crise com o rompimento do contrato do Mais Médicos, Mandetta afirmou ontem que o PT terceirizou a solução da saúde para outro país e acrescentou que é preciso buscar uma proposta sustentável e duradoura. Para ele, o programa era um “convênio” entre PT e Cuba:

—Esse era um dos riscos de se fazer um convênio terceirizando uma mão de obra tão essencial, né? Me parece muito mais que era um convênio entre Cuba e o PT e não entre Cuba e o Brasil, porque não houve uma tratativa basicamente bilateral, mas sim uma ruptura unilateral.

O médico ortopedista é o terceiro quadro do DEM a ser anunciado pelo presidente eleito e o décimo integrante do primeiro escalão do futuro governo. Entre diferentes desafios no setor da Saúde, ele chega ao gabinete de transição com amissão de encontrar formas de contratar profissionais para substituir os cubanos que deixarão o Mais Médicos, o que poderá provocar um apagão na saúde pública de milhares de municípios.

Para ele, o rompimento da parceria por parte de Cuba era um risco que o país corria desde o início do programa:

—Nós precisamos de políticas que sejam sustentáveis. As improvisações em saúde costumam terminar mal e essa não foi diferente das outras.

Mandetta defendeu que os profissionais do Mais Médicos passem por avaliações em serviço. Ele foi questionado sobre a eventual aplicação do Revalida, o teste de validação de conhecimentos médicos, a todos os participantes do programa, lançado durante o governo do PT.

—Há possibilidade de se fazer avaliação em serviço, uma série de medidas em que você possa, ao mesmo tempo que resguarda a população, dar garantias da qualidade daquele profissional —disse.

Suspeitas

Amigo do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Mandetta, de 53 anos, colaborou com propostas sobre saúde para o programa de governo de Bolsonaro.

Ao ser anunciado, Mandetta teve de dar explicações sobre uma investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que apura fraude em licitação e caixa dois em contratos da Secretaria de Saúde de Campo Grande (MS), no período em que ele comandou a pasta.

O futuro ministro falou sobre o caso ao próprio presidente eleito, que considerou suficientes as explicações e anunciou o escolhido em uma reunião com parlamentares. Em entrevista após encontro no Tribunal de Contas da União (TCU), Bolsonaro afirmou que a indicação de Mandetta atendia a bancada da saúde, representantes de Santa Casas e das mais variadas entidades médicas.

— Confirmo o marechal Mandetta, que, se Deus quiser, assumirá ano que vem com essa enorme missão — disse o presidente eleito.

Mandetta é investigado por suspeitas de ter favorecido duas empresas — a Telemídia e a Alert — num contrato de R$ 9,9 milhões assinado com a Secretaria de Saúde de Campo Grande, em 2009. No inquérito obtido pelo GLOBO, a PGR cita uma viagem de Mandetta a Portugal, e supostos pagamentos de fretamento de voos particulares, durante o período eleitoral de 2010, como um indício de crimes cometidos pelo futuro ministro.

Em entrevista coletiva ontem, Mandetta afirmou que se sente incomodado com as suspeitas, mas disse que faz parte do cargo ter que prestar contas:

— Um deputado de oposição resolveu fazer todas essas denúncias. Sempre que isso ocorre a gente se sente muito desconfortável, mas quem é uma pessoa pública tem que se submeter a essas situações.

Desafios à vista

O financiamento do SUS é um dos principais desafios do futuro ministro. Com o segundo maior orçamento da União, a Saúde é pressionada cada vez mais pelo envelhecimento da população que traz doenças crônicas como diabetes e câncer, pelas epidemias, a exemplo dazikaed adengue, e as demandas das vítimas da violência nas rua seno trânsito.

Na apresentação que fez sobre a área da Saúde à equipe de Bolsonaro, o deputado apontou a necessidade de auditar os sistemas do SUS, que tem uma base de dados gigantesca, para identificar onde sobra e onde falta dinheiro. Mandetta diz que há uma “gordura” para queimar evitando desperdícios.

Perguntas e respostas sobre o programa

> Por que estrangeiros foram chamados para o programa?

Quando o Mais Médicos foi lançado, em 2013, sobravam vagas em postos de saúde, especialmente em cidades do interior do país.

> Só cubanos se inscreveram ?

Não. Além dos 8,3 mil médicos cubanos, há 4,6 mil brasileiros e 3,3 mil intercambistas (profissionais de 15 nacionalidades, além de brasileiros formados fora).

> Que especialidades atendem?

Os médicos se dedicam, principalmente, à atenção básica, que envolve atendimentos que vão de gripe e dor de garganta a pré-natal, diabetes e hipertensão.

> Quanto os médicos recebem?

A bolsa para os inscritos é de R$ 11,8 mil. Desse valor, estima-se que os cubanos fiquem com pouco mais de R$ 3 mil. O restante vai para o governo de Cuba.

> O que será feito com as vagas dos médicos cubanos?

Há 8.517 vagas. Primeiro, serão chamados brasileiros. Depois, brasileiros que se formaram no exterior. Só então, estrangeiros.

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O DEM de Onyx e a confraria do baixo clero

Robson Bonin

21/11/2018

 

 

A indicação do deputado Mandetta para o Ministério da Saúde consolida o DEM como sócio do governo Bolsonaro. Na oposição durante toda a era petista, o partido comandado por ACM Neto voltou a desfrutar dos palácios de Brasília em 2016, com Michel Temer no Planalto.

Na corrida presidencial, apostou em Geraldo Alckmin para continuar governista, mas viu um dos seus “rejeitados” internamente, o atual ministro da transição, Onyx Lorenzoni, montar o cavalo vencedor.

Um dos primeiros a aderir ao projeto de Bolsonaro, Onyx organizou silenciosamente uma confraria de deputados do baixo clero que ajudaram a preparar o presidenciável para a campanha. Esse clube, que se reunia nas noites de quarta feira no apartamento funcional de Onyx, amansou ligeiramente Bolsonaro e ganhou sua confiança.

O DEM de Onyx venceu. Tem a Casa Civil, o Ministério da Agricultura e, agora, a Saúde. É um capital político invejável, capaz de despertar os instintos mais primitivos da banda fisiológica no Congresso.

Espécie de “capitão do time”, Onyx não terá vida fácil. Alvo de intrigas, já foi minado pelo vice, Hamilton Mourão, que tenta capturar parte do seu poder, e também não tem a simpatia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que vê ameaças à sua reeleição.