O globo, n. 31152, 21/11/2018. Rio, p. 10

 

Feminicídio resolvido em família

Gustavo Goulart

Elenilce Bottari

21/11/2018

 

 

A caminho de enterro, primos de vítima localizam e prendem o assassino

Os irmãos Orlando e Ronaldo Nunes estavam ontem a caminho do enterro da prima, Fernanda Siqueira, morta a facadas pelo ex-marido, no domingo, quando a dor deu lugar à surpresa. Quando passavam pela Rua Guirareia, no bairro Colégio, os dois avistaram o assassino. De bermuda e camiseta, Vanclécio Cordeiro caminhava tranquilamente a menos de dois quilômetros do local onde tirara, 48 horas antes, a vida da ex-mulher, a 54ª vítima de feminicídio no Rio este ano. Diante da cena, Orlando e Ronaldo, militares do Exército e da Marinha, não pestanejaram. Saíram correndo do carro e, depois de uma perseguição pelas ruas da região, conseguiram imobilizar e prender o criminoso, procurado pela polícia.

Para deter Vanclécio, Orlando e Ronaldo tiveram a ajuda de pedestres, que se mobilizaram assim que ouviram o alerta dos primos da vítima, que gritavam “pega, pega, assassino”. O criminoso correu por diversas ruas até que entrou numa via sem saída. Foi nela que o primeiro-sargento Orlando o encontrou, escondido debaixo de um carro. Vanclécio não reagiu ao ser imobilizado pelo militar, que acionou a polícia logo em seguida. Correndo o risco de se atrasar para o sepultamento de Fernanda, Orlando ficou no local até ver Vanclécio entrar num camburão —e não foi apenas para ter a certeza de que ele não escaparia. Também tentava evitar um linchamento.

—É até difícil explicar o que passou pela minha cabeça quando eu vi o Vanclécio andando pela rua. Meu irmão jogou o carro na calçada e corri com meu filho atrás dele, que ainda tentou se esconder debaixo de um carro. Quando conseguimos prendê-lo, foi se formando uma multidão ao redor. Alguém disse ‘vamos resolver aqui mesmo’. Vontade até dá, mas não é a coisa certa a se fazer. Ele vai pagar na Justiça pelo que fez à nossa prima — defendeu Orlando.

Movido por ciúmes

O primo de Fernanda trocou algumas palavras com o assassino. Segundo Orlando, Vanclécio queria saber o estado de saúde da ex-mulher, que ele esfaqueou no tórax e no pescoço, na porta da casa, em Vicente de Carvalho, onde moraram juntos até Fernanda pedir a separação, há cerca de três meses. Para atrair Fernanda até o local, ele disse que precisava que ela devolvesse as chaves do imóvel:

— Ele me perguntou como estava Fernanda, e disse que não queria ter feito aquilo. Eu respondi que estávamos Orlando Nunes, sargento que prendeu o assassino indo ao sepultamento dela. É um alívio, um alento para a família, saber que ele está preso e vai responder pelo que fez.

Após matar a ex-mulher, Vanclécio fugiu de carro, que abandonou após bater numa estação de BRT. Ontem, ele contou que, depois do crime, caminhou a pé até um viaduto do metrô em Colégio, onde passou a noite. No local, ele foi alimentado por moradores de rua.

À tarde, Vanclécio prestou depoimento na Delegacia de Homicídios. Segundo o delegado Luís Otávio Franco, que está à frente da investigação, ele teve a prisão temporária decretada, uma vez que já não poderia mais ser preso em flagrante. Funcionário de um hortifruti, Vanclécio irá responder por homicídio triplamente qualificado, cuja pena poderá exceder 30 anos.

— Ele cometeu um feminicídio, agiu por motivo torpe, justificando que matou por ciúmes, e não deu à vítima qualquer chance de defesa —explicou o delegado, que aguarda a conclusão dos laudos da perícia para encaminhar o caso à Justiça.

Vanclécio confessou o crime e contou ter sido movido por ciúmes. Segundo parentes de Fernanda, ele não se conformava com a separação. No dia da briga que deu fim à união, chegou a quebrar um vidro do banheiro do casal ao jogar longe um carregador de celular. Apesar dos constantes destemperos e agressões verbais, Vanclécio nunca tinha agredido Fernanda fisicamente.

A jovem de 29 anos foi sepultada ontem no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. Orlando e Ronaldo chegaram a tempo da despedida e ajudaram a amparar os pais de Fernanda, Walter e Janete, que não conseguiu caminhar para ver o sepultamento do corpo da filha. A tia da vítima, Jane de Souza, que presenciou o crime, também estava no enterro, que reuniu cerca de 300 pessoas. E disse que, em meio à dor, a família espera por Justiça:

— Agora temos que seguir em frente, botar nos braços de Deus. Estamos felizes por ele ter sido preso.