O globo, n. 31151, 20/11/2018. País, p. 4

 

O time Moro

Jailton de Carvalho

Eduardo Bresciani

20/11/2018

 

 

 Recorte capturado

Equipe deve ter delegada que batizou a Lava-Jato, além do ex e do atual superintendentes da PF no Paraná

O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, começou a montar ontem a equipe que o acompanhará no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Em uma espécie de reprodução da “República de Curitiba”, Moro escolheu dois investigadores que atuaram na força-tarefa da Lava-Jato para assessorá-lo na transição: a delegada Érika Marena, que coordenou a operação em seu início, e o ex-superintendente da Polícia Federal no Paraná Rosalvo Ferreira, que ficou no cargo até o fim do ano passado, quando se aposentou.

Depois de almoçar com os dois no centro de transição, em Brasília, Moro também indicou que deve anunciar nos próximos dias o nome do futuro diretor-geral da Polícia Federal. O atual superintendente da unidade de Curitiba, Maurício Valeixo, que ainda toca a Lava-Jato, deve ser o escolhido.

Aliados de Moro ouvidos pelo GLOBO disseram ontem que o anúncio do novo chefe da corporação deve ser feito na sexta-feira, durante um evento da PF no Rio. O atual diretor, Rogério Galloro, já teria sido, inclusive, avisado de que não permanecerá no cargo.

Com a ida de Valeixo para o comando da PF, a delegada Marena, até ontem superintendente da PF em Sergipe, deverá assumir a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, órgão estratégico no combate a crimes internacionais, na gestão do futuro ministro Moro. A informação foi confirmada ao GLOBO por duas fontes que acompanham a montagem da equipe do governo Jair Bolsonaro.

No comando do DRCI, a delegada vai participar diretamente da negociação de acordos de cooperação policial e jurídica com outros países para o intercâmbio de investigações que poderão ajudar a elucidar uma série de crimes. Estão na mira do departamento desde casos de corrupção, com propina paga no exterior, até transações envolvendo o crime organizado e suas rotas financeiras em outros países.

Para sete ruma ideia da importância do órgão, foi a partir de um acordo de cooperação internacional coma Suíça que a Lava-Jato conseguiu chegar aprovas cruciais para comprovar o envolvimento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha nos desvios da Petrobras. Outros investigados, como ex-diretores da Petrobras, doleiros e empresários também foram presos após as autoridades detectarem recursos ilícitos em contas bancárias no exterior.

Caso Cancellier

Como O GLOBO mostrou em agosto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) cobrou formalmente do governo do presidente Michel Temer a criação de uma equipe conjunta de investigação entre Brasil e Espanha para investigar supostos repasses de uma empresa espanhola a políticos e empresários brasileiros.

No mesmo ofício, a PGR também cobrou explicações sobre os pedidos de criação de equipes conjuntas formulados por procuradores da Suíça, Argentina, Peru e Paraguai, todas elas desdobramentos da Lava-Jato.

Para procuradores brasileiros, ouvidos pelo GLOBO em agosto, a resistência do governo em autorizar a criação das equipes conjuntas —ainda hoje travada na gestão Temer —estava atrasando importantes investigações internacionais.

Érika Marena tem longa experiência no setor. Exfuncionária do Banco Central, ela se destacou, desde o início da carreira na polícia, em investigações sobre crimes financeiros. A Lava-Jato, batizada por ela, tem como origem a investigação sobre a movimentação financeira de alguns doleiros, entre eles Alberto Youssef. A indicação da delegada para o DRCI é dada como certa por colegas da Lava-Jato.

O ex-superintendente da PF no Paraná Rosalvo Franco Ferreira, ex-chefe de Érika, também almoçou com Moro ontem. Delegado aposentado, ele deve assessorar Moro no ministério.

O convite para Érika participar da transição não foi a única demonstração pública de confiança de Moro em relação à delegada. No início do ano, quando esteve com o ex-diretor-geral da PF Fernando Segovia, Moro cobrou dele pressa na nomeação de Érika para a superintendência de Sergipe.

A nomeação tinha sido suspensa porque, naquele momento, a delegada era alvo de uma investigação sobre supostos erros cometidos durante a Operação Ouvidos Moucos, que, em 2017, apontou irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O então reitor, Luiz Carlos Cancellier, suicidou-se após ser preso. Meses depois, a investigação interna isentou a delegada de responsabilidade na morte do reitor.

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Para Bolsonaro, legislação atual faz do Brasil um 'país sem fronteiras'

Igor Mello

20/11/2018

 

 

Após conversar com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, uma das principais lideranças de extrema-direita da Europa, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse ontem que o Brasil virou um “país sem fronteira”, ao criticar a “entrada indiscriminada” de imigrantes.

Orbán é alvo de críticas por já ter ordenado o fechamento das fronteiras húngaras durante a crise migratória causada pela guerra na Síria, em 2015.

Neste ano, o parlamento húngaro aprovou uma lei que pune indivíduos ou grupos que ofereçam ajuda a imigrantes. O presidente eleito comparou a situação dos refugiados na Europa com o Brasil, que aprovou uma nova lei de imigração em março do ano passado:

— Eu fui contra a última lei de imigração nossa, que transformou o Brasil em um país sem fronteiras. Não podemos admitir a entrada indiscriminada de quem quer que seja aqui simplesmente porque quer vir para cá. Essa questão de imigração desordenada a Europa toda está sofrendo. Regiões da Alemanha também têm sofrido muito no tocante a isso daí e temos que nos preocupar. Se no Brasil essa lei continuar em vigor qualquer um pode entrar e chegar aqui com mais direito que nós.

Segundo assessores de Bolsonaro, a iniciativa de fazer contato partiu do primeiro-ministro húngaro, que parabenizou o presidente eleito pela vitória na eleição. Orbán pode viajar ao Brasil para participar da cerimônia de posse no dia 1º de janeiro.

Após o encontro, Bolsonaro disse ainda que, ao contrário dos brasileiros, o povo húngaro “sabe o que é ditadura”. Em diversos momentos de sua trajetória política, Bolsonaro afirmou que não houve uma ditadura militar no Brasil.

— É um país que sofreu muito com o comunismo no passado. É um povo que sabe o que é ditadura, o povo brasileiro não sabe o que é ditadura. Não sabe o que é sofrer na mão dessas pessoas. Ele (Orbán) está muito feliz com a nossa eleição e nós com toda certeza seremos grandes parceiros no futuro —afirmou.

"Cartão vermelho"

Na mesma entrevista, o presidente eleito descartou ontem o nome de Maria Inês Fini , presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ( Inep ) para o comando do Ministério da Educação. A declaração envolve a polêmica em torno de uma das questões do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sobre expressões de gays e transexuais. Antes disso, Maria Inês chegou a ser cogitada como uma possível ministra.

— Essa pode esquecer. Ela não esteve à frente da prova do Enem? Tá fora. Cartão vermelho. Não tem amarelo, é vermelho direto — disse Bolsonaro, quando questionado sobre a presidente do Inep.