O globo, n. 31148, 17/11/2018. País, p. 6

 

Bolsonaro diz que vai estudar carta de governadores eleitos

Igor Mello

17/11/2018

 

 

Presidente eleito deve analisar as propostas junto com o futuro ministro Paulo Guedes. Estados pedem flexibilização da estabilidade de servidores públicos

Dois dias depois de receber uma carta dos governadores eleitos — com demandas como a flexibilização das regras para demissão de servidores públicos —, o presidente eleito Jair Bolsonaro disse que vai estudar os pedidos com o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. — A carta dos governadores, ainda não tive a oportunidade de estudar juntamente com o Paulo Guedes. Li, mas não estudei com o Paulo Guedes para dar a resposta aos senhores — afirmou ele, após participar de um encontro com o comandante da Marinha, almirante Leal Ferreira, no 1° Distrito Naval, no Centro do Rio.

A “Carta dos Governadores” traz 13 pontos traçados como prioridades , mas não há detalhamento das medidas. A flexibilização da estabilidade é o quarto item da agenda apresentada a Bolsonaro. Hoje, a Constituição garante estabilidade ao servidor público contratado por concurso e prevê demissão apenas em situações extremas, como nas decisões da Justiça.

Em um último caso, para atender aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), também é possível a demissão de funcionários públicos se outras medidas adotadas para conter despesas, como a exoneração de comissionados, não surtirem efeitos. Os governadores reclamam, porém, que, na prática, mesmo com essas previsões, a demissão de servidores é de difícil aplicação, sempre passível de contestação na Justiça.

Na carta entregue a Bolsonaro, os governadores também defendem outras medidas em socorro ao caixa dos estados como a aprovação da securitização das dívidas ativas — o projeto autoriza União, estados e municípios a vender ao mercado parte desses débitos, com algum deságio negociado entre as partes; e uma alteração na Constituição que permita aos estados explorar os portos, a infraestrutura aeroportuária e as instalações de energia elétrica, hoje nas mãos da União.

Os eleitos pedem, ainda, reajuste da tabela de repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) e uma ampliação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), cuja vigência termina em 2020. O texto também traz demandas mais amplas como a reforma da Previdência e tributária, reforço na fiscalização de fronteira e reforma da segurança pública, com mudanças no Código Penal e de Processo Penal.

Relatório divulgado pelo Tesouro Nacional mostra que 14 estados apresentam comprometimento de suas receitas com despesas de pessoal acima de 60%, que é o limite previsto na LRF. Entre eles, estão Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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Pedido de revisõ do Código Penal não é consenso entre autoridades

Amanda Almeida

Renata Mariz

17/11/2018

 

 

Witzel (RJ) e Ibaneis (DF) divergem sobre mudanças nas audiências de custódia

Primeiro ponto da “Carta dos Governadores”, apresentada na reunião com o presidente eleito Jair Bolsonaro, na última quarta-feira, em Brasília, a revisão dos Códigos Penal e de Processo Penal não é consenso entre os chefes de Executivo que tomarão posse em 2019. O governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), propôs que juízes possam sentenciar acusados já na primeira audiência, logo após a prisão em flagrante.

Hoje, os presos precisam ser levados em até 24 horas para a chamada audiência de custódia, na qual o Judiciário analisa se a detenção deve ser mantida. Ex-juiz federal, Witzel defende que, nesse momento, seja possível firmar acordos entre o acusado e o Ministério Público, como ocorre nos Estados Unidos, modelo conhecido como “plea bargain”. A medida, defendida por Witzel na reunião com Bolsonaro, seria uma forma de desafogar o Judiciário e reduzir custos com os longos processos burocráticos. A proposta, no entanto, não é consensual, entre autoridades e juristas.

— É uma ideia dele (Witzel), bastante polêmica: transforma a audiência de custódia, prevendo sentenciar na hora, como nos Estados Unidos. Sou contra. Aqui, no Brasil, a gente sabe como as coisas acontecem, pode mexer com o direito de defesa —diz o governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), expresidente da Ordem dos Advogados do Brasil no DF.

O juiz Sergio Moro, em entrevista após aceitar assumir o Ministério da Justiça de Bolsonaro, defendeu mudanças na lei para possibilitar acordos que encerrem mais rapidamente processos criminais. — Negociação de penas, uma espécie de “plea bargain" para resolver rapidamente casos criminais pequenos, assim limpa-se a pauta da Justiça e evita uma sobrecarga desses processos —citou Moro. O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto, diz que o “plea bargain” pode dar “efetividade ao direito penal”.

— É altamente usado nos Estados Unidos, onde os próprios juízes reconhecem que, se não fosse o “plea bargain”, o sistema judiciário seria falido —diz. Ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o defensor público Renato De Vitto não concorda que acordos entre MP e acusados sejam feitos no momento da audiência de custódia.

—É um momento em que o preso está fragilizado, pode se sentir premido em aceitar aquele determinado acordo para ser liberado. Muitas vezes você não tem condições de aprofundar a avaliação das provas.

Jair Bolsonaro é crítico das audiências de custódia. Em vídeo postado em agosto de 2017 sobre o caso de uma mulher presa com armas e depois solta, ele declarou que “tratar esse tipo de gente com dignidade, com direitos humanos ou como se fossem excluídos da sociedade é pavimentar a estrada da violência”.

‘Sou contra (mudança na audiência de custódia). Aqui, no Brasil, pode mexer com o direito de defesa’

Ibaneis Rocha, governador eleito do Distrito Federal