O globo, n. 31192, 31/12/2018. Rio, p. 15

 

Estado negocia revisão do ajuste fiscal com a União

Luiz Ernesto Magalhães

Selma Schmidt

31/12/2018

 

 

 Recorte capturado

 

 

No apagar das luzes da atual administração, governo envia ao Conselho de Supervisão, do Ministério da Fazenda, um pedido para adequar medidas previstas no Regime de Recuperação que não foram cumpridas

Preocupado com as metas do Regime de Recuperação Fiscal, o governo do estado começou uma negociação para afinar o acordo com a União no apagar das luzes da atual administração. Na última sexta-feira, um documento revendo pontos importantes, que poderiam ameaçar a permanência do Rio no plano por não terem sido totalmente cumpridos, chegou ao Conselho de Supervisão, órgão ligado ao Ministério da Fazenda. A revisão do ajuste, firmado em setembro de 2017, foi desenhada em sigilo por técnicos do estado.

Desde que o acordo entrou em vigor, o estado começou a sair do buraco, que ainda é fundo, e conseguiu o objetivo principal, que era manter em dia os salários dos servidores que estavam atrasando.

Segundo o secretário estadual de Fazenda, Luiz Claudio Gomes, todas as projeções de receitas e despesas foram refeitas, e medidas, não alcançadas, foram retiradas. A concessão das linhas de ônibus intermunicipais, uma das metas, por exemplo ficou para o próximo ano. E a arrecadação prevista com a venda de imóveis do RioPrevidência, que está engatinhando, foi encolhida. Gomes destaca que a proposta, que começou a ser elaborada em junho, é do governo que está saindo e ainda não foi pactuada com a equipe de Wilson Witzel, que assume amanhã.

— Quase um ano e meio depois do ajuste, muita coisa aconteceu. As projeções do plano têm que ser revistas. Mas o desafio não mudou no horizonte temporal de 2023. Estamos atualizando para que dê tudo certo no final — afirmou Gomes, sem dar números ou detalhes das mudanças propostas. — É um plano complexo, que ficou mais conservador, mais acurado.

O governador eleito Wilson Witzel já tinha anunciado a intenção de renegociar as bases do acordo fiscal com a União. Entre outras coisas, ele gostaria de rever o aumento da alíquota previdenciária paga pelos servidores, uma das medidas mais rapidamente implementadas, que passou de 11% para 14%. Witzel também mostrou interesse em rever a concessão da CEG e da CEGRio, mas não voltou ao tema. A proposta encaminhada pela equipe do governo de Luiz Fernando Pezão manteve inalterados itens, como a privatização da Cedae, sobre a qual Witzel também tinha restrições. A negociação da companhia é fundamental porque dá lastro a um empréstimo de R$2,9 bilhões ao estado.

As mudanças coincidem com uma queda nos resultados do Regime de Recuperação Fiscal. Segundo o último relatório do Conselho de Supervisão, relativo a outubro, o estado obteve resultado R$ 1,1 bilhão abaixo do que estava previsto para aquele mês. Em agosto, o valor estava negativo em R$ 979 milhões. Ou seja, a diferença aumentou R$ 121 milhões em dois meses.

Entre as medidas que contribuíram para que metas não fossem alcançadas, estava uma possível economia

de recursos com auditorias de combate a irregularidades na Previdência, que poderiam garantir R$ 970 milhões. A receita esperada com a nova alíquota previdenciária de 14% também ficou abaixo dos R$ 315,3 milhões previstos. Outra questão que pesou foi o fato de o estado não ter conseguido licitar as linhas intermunicipais, que, pelo cronograma do ajuste fiscal, deveria ter ocorrido em outubro.

— Existem medidas que não conseguimos implementar. Muitas dependem de mercado, de aprovar legislações etc. Mas a maior parte foi cumprida — assegura o secretário de Fazenda.

Alívio de R$ 9 bi por ano

No relatório, o comitê também pediu esclarecimentos ao estado sobre novas despesas com contratação de pessoal e concessão de benefícios, que elevaram gastos com funcionalismo, a partir de junho, em órgãos como o Degase e o Instituto Estadual do Ambiente. O objetivo é avaliar se itens do acordo foram descumpridos.

Na berlinda, o Regime de Recuperação Fiscal dará um alívio para o Rio de R$ 9 bilhões por ano, durante o governo Witzel, só com a suspensão do pagamento de dívidas do estado com a União. Até agora, o acordo permitiu postergar a quitação de R$ 27,5 bilhões. Os valores só voltam a ser pagos em setembro de 2020, ainda durante o regime.

Witzel, no entanto, vai assumir um estado com cerca de R$ 11 bilhões de restos a pagar e um orçamento aprovado para 2019 com um déficit de R$ 8 bilhões. Ou seja, um rombo financeiro que pode chegar a R$ 19 bilhões.

O próximo governo terá que buscar novas fontes para investir no estado. Até sextafeira, o estado tinha liquidado este ano R$ 1,4 bilhão na rubrica investimentos, em valores atualizados pelo economista André Marques, coordenador dos cursos de gestão de políticas públicas do Insper, a pedido do GLOBO. Com isso, 2018 é o segundo pior ano em aplicação de recursos em infraestrutura desde 2010. O pico ocorreu em

2014, ano da Copa do Mundo, quando foram liquidados R$ 9,5 bilhões. Para 2019, a previsão é otimista: R$ 7,3 bilhões. Mas Gomes reconhece que pode não ser bem assim:

— Não temos recursos para investir. Para qualquer investimento futuro, vai ser preciso usar habilidades que estão fora do orçamento fiscal do estado, que não permite grandes voos. Estamos no regime até 2023, e vai ser duro.

Não foi por acaso que o estado chegou à calamidade financeira. O economista André Marques diz que os sinais de que a situação ficaria grave começaram a surgir ainda no governo Anthony Garotinho. De lá para cá, afirma ele, a má gestão teve protagonismo para chegarmos ao quadro atual.

— Para coroar esse cenário, tivemos todos os quatro últimos governadores do Rio passando pela prisão — acrescenta André. — O que aconteceu não é culpa de um só. É um problema gerencial, um somatório de erros de todos que passaram pela administração.