O globo, n. 31191, 30/12/2018. País, p. 4

 

Bolsonaro vai ampliar posse de arma

Renata Mariz

Jailton de Carvalho

30/12/2018

 

 

Medida será tomada por decreto e licença deve passar a ser definitiva

Bandeira de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro, a facilitação para comprar armas no Brasil será garantida por decreto. O texto, preparado pela equipe de transição, já está praticamente pronto, dependendo apenas de pareceres oficiais do Ministério da Justiça e da Defesa antes da assinatura. Sem dar detalhes, em uma curta mensagem, Bolsonaro afirmou ontem no Twitter a intenção. “Por decreto pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais, bem como tornar seu registro definitivo”, escreveu o futuro presidente.

Em outra mensagem, disse que, além de questões debatidas no âmbito do Executivo, outras ações sobre o tema vão passar pelo Congresso. “A expansão temporal será de intermediação do Executivo, entretanto outras formas de aperfeiçoamento dependem também do Congresso Nacional, cabendo o envolvimento de todos os interessados”, postou. Segundo um auxiliar de Bolsonaro, a ideia do decreto é “flexibilizar (as regras) no que for possível dentro da lei” para ampliar os casos em que é permitida a posse de arma, ou seja, ter o artefato dentro de casa ou no local de trabalho (desde que seja o proprietário ou responsável pelo estabelecimento). Já o porte dá o direito de andar armado, mas Bolsonaro falou apenas da posse.

Para tornar definitivo o registro da posse de arma, que hoje precisa ser renovado a cada cinco anos, a área técnica do governo estuda pelo menos três hipóteses. Uma delas é ampliar gradualmente o prazo de renovação. Outra seria simplesmente acabar com a exigência. E uma terceira ideia é estipular perfis que teriam de fazer a revalidação, tais como pessoas que se envolvam em alguma ocorrência criminal. De acordo com as regras atuais, o cidadão comum precisa cumprir, na hora da obtenção do registro e também nas renovações, determinados requisitos: apresentar antecedentes criminais, não responder a inquérito policial ou processo criminal, comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica, e declarar a necessidade da arma de fogo. A Polícia Federal (PF) faz uma análise, podendo autorizar ou negar o pedido.

658 mil armas com posse

Hoje, há cerca de 338,9 mil armas em posse de pessoas físicas, segundo registro ativo da PF. Outras 247,9 mil estão em posse de funcionários de empresas privadas de segurança. No total, incluindo outras categorias, a PF informa que há 658,1 mil armas com posse autorizada no país.

Não será a primeira vez que regras de controle de arma de fogo são modificadas por decreto presidencial. O presidente Michel Temer fez uma série de mudanças na base de decretos e portarias que regulamentam o Estatuto do Desarmamento. Ele ampliou de três para cinco anos o prazo de validade da posse de arma de fogo. Por meio do decreto, a medida não precisa ser discutida pelo Congresso e começa a valer após a publicação no Diário Oficial.

Como funciona a posse de armas no Brasil

Requisitos do Estatuto do Desarmamento:

• Apresentar certidões negativas de antecedentes criminais

• Não responder a inquérito ou processo criminal

• Ter ocupação lícita e residência certa

• Comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica

• Declarar efetiva necessidade da posse

Regras detalhadas por decreto:

• Apresentar a justificativa do pedido, que será examinada pela PF

• Idade mínima de 25 anos

• Declaração expedida por instrutor de tiro credenciado pela PF

• Laudo conclusivo fornecido por psicólogo credenciado pela PF

Posse x porte

A posse autoriza o cidadão a manter a

arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência e também no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.

O porte é a autorização para andar

com a arma. É muito mais restrito, apenas para pessoas com porte liberado em função da profissão que exercem. A autorização para civis ocorre em casos excepcionalíssimos.

Validade

Hoje, a validade da posse de arma é de cinco anos. Passado esse período, o proprietário precisa reapresentar os documentos exigidos. Bolsonaro propõe um registro definitivo.

“Pretendemos garantir a posse de arma de fogo para o cidadão sem antecedentes criminais”

Jair Bolsonaro presidente eleito

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Medida pode levar a aumento dos índices de homicídio

Renata Mariz

30/12/2018

 

 

A decisão do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL) de editar decreto ampliando posse de arma não resultará na redução da violência, na visão de especialistas ouvidos pelo GLOBO. Coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva é categórico a medida aumenta o risco de homicídios.

—Sem dúvida, vai piorar. Há estudos feitos no Brasil demonstrando que em períodos ou locais em que se aumentou a posse de arma, cresceram também os homicídios. Sem contar nos riscos aumentados de suicídios e incidentes dentro de casas que têm armas.

Ele cita estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de 2013, mostrando que o aumento de 1% de armas de fogo eleva em até 2% a taxa de homicídio. O coronel também aponta levantamentos do Instituto Sou da Paz que mostram que pelo menos 70% das armas apreendidas pelas polícias passaram pelo mercado legal. O sociólogo Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que as evidências são claras no sentido de que “mais armas significam mais mortes”. —Com mudanças por decreto, Bolsonaro está cumprindo uma de suas principais promessas eleitorais de forma relativamente rápida e fugindo do debate legislativo, que poderia lhe ser hostil ou exigir concessões. Aliado de Bolsonaro, o deputado Major Olímpio (PSL), que se elegeu senador, diz que o Estatuto do Desarmamento impede a garantia do direito à legítima defesa dos cidadãos, deixando-os “à mercê do crime”. —É uma grande hipocrisia desses sociólogos, psicólogos e outros “ólogos” que querem dar vida às armas. Quem mata são as pessoas, não as armas. No mundo todo, o que se observa é que o incremento na posse e porte de arma de fogo, desde que haja controle e critérios.