O globo, n. 31188, 27/12/2018. Sociedade, p. 25

 

João de Deus diz não se lembrar de acusadoras

27/12/2018

 

 

Ministério Público de Goiás deve apresentar denúncia contra o médium amanhã pelo abuso de quatro mulheres que o procuraram em Abadiânia em busca de cura espiritual; outros casos ainda estão sendo apurados

João Teixeira de Faria voltou a negar que tenha cometido abusos sexuais contra mulheres que o procuravam em busca de cura espiritual. Em depoimento ontem a promotores da força-tarefa encarregada de investigar os supostos crimes, em Goiás, ele disse não se lembrar nem mesmo das mulheres que o acusam. A oitiva começou no fim da manhã e se estendeu por 1h30m.

Segundo o advogado Alex Neder, que acompanhou o depoimento, o médium respondeu a todas as perguntas e “não reconheceu como verdadeiras as acusações”. Depois do depoimento, João de Deus foi levado de volta para a prisão em Aparecida de Goiás, e sua mulher, Ana Keyla Teixeira, foi ouvida por duas delegadas. Ela afirmou acreditar que as denúncias são mentirosas e disse que não sabia que o marido escondia armas em casa.

João de Deus deve ser denunciado amanhã pelo Ministério Público de Goiás por suposto abuso de quatro fiéis. Ao menos 78 mulheres já afirmaram ao MP terem sido vítimas de ataques sexuais, mas, por questões práticas, os promotores do caso decidiram concentrar a primeira acusação formal em quatro relatos. São denúncias já apuradas também pela Polícia Civil e que contariam com um maior volume de indícios contra o médium.

Ritmo acelerado

O líder espiritual deve ser acusado de abuso mediante fraude contra as quatro mulheres, que visitaram o centro de atendimento mantido por ele em Abadiânia. Elas teriam recorrido ao médium com problemas de saúde. Durante as consultas, elas teriam sido apalpadas nas partes íntimas ou instadas a apalpar o médium. Os toques eróticos fariam parte da busca pela cura.

Os promotores tiveram que acelerar a investigação e preparar logo a primeira denúncia porque João de Deus está preso preventivamente. Com o réu na cadeia, os investigadores tem prazos menores para apresentar a acusação formal. Se não fizerem a denúncia no prazo, João de Deus pode ser solto.

Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu que João de Deus continue preso. A manifestação do Ministério Público tenta impedir a concessão de um habeas corpus para o médium. A defesa dele recorreu ao STF para revogar a ordem de prisão preventiva.

Segundo Raquel Dodge, o STF não pode conceder o habeas corpus porque o caso, antes de ser examinado pelo STF, ainda teria que passar pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Dodge também sustentou que a conduta prévia de João de Deus indica que ele pode atrapalhar as investigações ou ainda tentar fugir. A procuradora-geral argumentou ainda que houve movimentação financeira de vultosas aplicações bancárias e que “João de Deus chegou a abrir mão de rendimentos para realizar saque imediato da conta”, diz nota da PGR. Para Dodge, a prisão de João de Deus evita que ele possa intimidar testemunhas ou volte a praticar crimes.

O número de abusos de que é acusado pode ser maior do que o registrado em depoimentos até agora. Desde que o primeiro caso veio a público, no último dia 8, o Ministério Público recebeu 600 mensagens relacionadas à atuação do médium. Desse total, 260 mulheres relataram ataques sexuais. Entre as supostas vítimas, 11 vivem no exterior: 4 nos Estados Unidos, 3 na Austrália, 1 na Alemanha, 1 na Bélgica, 1 na Bolívia e 1 na Itália, conforme nota divulgada nesta quarta-feira pelo MP de Goiás.