O globo, n. 31187, 26/12/2018. País, p. 5

 

Temer volta atrás e avalia editar indulto natalino

Leticia Fernandes

26/12/2018

 

 

Após o Palácio do Planalto confirmar que não haveria perdão a presos, parecer enviado pela Defensoria Pública da União fez com que o presidente da República decidisse reconsiderar a medida nos próximos dias

O presidente Michel Temer recuou, ontem, da decisão de não editar o decreto de indulto de Natal, que concede perdão judicial a presos condenados por crimes não violentos, e deve assinar o texto nos próximos dias.

A assessoria de imprensa do Palácio do Planalto chegou a confirmar oficialmente ontem, durante o dia, que não haveria indulto. O recuo do presidente se deu depois de receber um parecer da Defensoria Pública da União, assinado pelo defensor público-geral federal em exercício, Jair Soares Júnior, que intercedeu em favor da concessão do indulto.

No parecer enviado ao presidente, o defensor lembra que seria a primeira vez no período da redemocratização que não seria concedido o perdão judicial. Ele também ressaltou a situação carcerária no Brasil, que tem quase 700 mil presos. Mesmo antes da Constituição de 1988, foram concedidos indultos coletivos a detentos em 1945, em 1960 e em 1982.

“Caso não seja editado decreto de indulto em 2018, este será o primeiro ano, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, em que não se concede indulto como política criminal que visa combater o encarceramento em massa. Vale lembrar que o Brasil possui atualmente a terceira maior população carcerária do mundo, sendo reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal que o sistema carcerário brasileiro vive um ‘estado de coisas inconstitucionais’, o que leva à violação de boa parte os direitos humanos”, escreveu o parecer do defensor.

Caso parado no STF

Segundo interlocutores, a decisão inicial de Temer de não editar o decreto aconteceria por conta da indefinição do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. O pedido de vista do ministro Luiz Fux paralisou o julgamento, quando a maioria dos ministros já havia se posicionado a favor ao decreto assinado em 2017, e o tema só pode voltar a ser discutido depois do recesso, quando Temer já não será presidente.

No ano passado, o decreto editado pelo presidente reduziu para um quinto da pena o tempo mínimo para que presos por crimes não violentos pudessem receber o benefício. A medida gerou polêmica por ser considerada um salvo-conduto para presos condenados na Operação Lava-Jato e levou o ministro Luís Roberto Barroso a conceder uma liminar suspendendo a decisão. O assunto começou a ser julgado pelo STF, mas ainda não foi concluído.

Caso mude de ideia, Temer ainda poderá assinar o indulto até o dia 31 de dezembro.

Durante o dia, diante da confirmação de que Michel Temer não editaria o decreto, especialistas criticaram a decisão. Para a advogada criminal Maíra Fernandes, seria estranho que o presidente abrisse mão de uma competência privativa sua para aguardar a manifestação dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela também destacou as possíveis consequências negativas para o sistema prisional no caso de o indulto não ser concedido:

— Há a preocupação da ausência de um indulto como política criminal num país que tem a terceira maior população carcerária do mundo.

Na semana passada, O GLOBO revelou, com base em documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, que o ministro da Justiça, Torquato Jardim, se opôs à decisão de incluir condenados por corrupção no indulto editado em 2017. Contudo, a recomendação foi ignorada pelo presidente, que concedeu o perdão.