O Estado de São Paulo, n. 45755, 25/01/2019. Espaço aberto, p. A2

 

À espera da sentença no processo do sítio

Aloísio de Toledo César

25/01/2019

 

 

As notícias publicadas pelo Estado a respeito do sítio em Atibaia, do qual Lula nega ser o proprietário, chegaram à fase final e aguçam a curiosidade das pessoas sobre qual poderá ser a sentença da juíza Gabriela Hardt, que herdou os processos de Sergio Moro referentes à Operação Lava Jato.

É sempre arriscado tentar prever o que se passa na cabeça de um juiz, mas, de qualquer forma, imperioso é reconhecer que há uma grande semelhança entre os processos judiciais envolvendo o famoso apartamento triplex no Guarujá e o sítio em Atibaia. As matérias de fato e de direito são absolutamente as mesmas, ou seja, Lula negava que o apartamento fosse dele e agora é capaz de jurar de pés juntos que o sítio não lhe pertence.

Do ponto de vista estritamente jurídico, a circunstância de o sítio ser ou não ser dele não tem tanta relevância, porque a gravidade do crime propriamente dito não está na posse do sítio, mas na circunstância de haver aceitado dinheiro sujo, saído da caixinha da Petrobrás com endereço ao Partido dos Trabalhadores.

Existem depoimentos absolutamente claros de que Lula aceitou dinheiro com essa origem para a reforma e melhorias do sítio, por solicitação sua e da falecida esposa. Depois que assumiu a Presidência da República, o hoje presidiário nunca mais andou com gente pobre, aqueles que o acompanhavam desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, passando a preferir a companhia dos amigos milionários, que ficavam cada vez mais ricos com a sua ajuda.

Pois bem, foram exatamente esses amigos ricos que inculparam o ex-presidente, confessando judicialmente haver-lhe entregado dinheiro sujo, vindo da caixinha da Petrobrás, para a reforma do sítio. E por mais que se esforçassem, os advogados de Lula não conseguiram desfazer essa realidade e se fixaram, repetidamente, na versão de que ele é um perseguido político que foi prejudicado propositadamente pelo juiz Sergio Moro.

Mesmo quem não é da área jurídica pode facilmente entender o crime praticado. O Código Penal Brasileiro dispõe com toda a clareza o que vem a ser o delito de corrupção passiva que teria sido praticado pelo ex-presidente da República: “Artigo 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de vantagem. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

Os doutrinadores ensinam que a solicitação, o recebimento ou a aceitação de promessa pode ser para si (para o próprio agente) ou para outrem. É imprescindível que a solicitação, o recebimento ou a promessa sejam feitos em razão da função pública do agente, ainda que fora do cargo ou até antes de assumi-lo.

A modalidade de receber implica um delito necessariamente bilateral, porque demanda a presença de um corruptor (autor de corrupção ativa). No caso, esses corruptores eram amigos íntimos de Lula e confessaram a entrega do dinheiro, ou seja, a trama criminosa se aperfeiçoou, obrigando o Estado a aplicar aos culpados as penalidades dispostas pela legislação em vigor.

O caso anterior, o do apartamento no Guarujá, espelhava claramente essa hipótese legal, que depois foi repetida quanto ao sítio, talvez porque naquele momento o ex-presidente se sentisse, e era mesmo, muito poderoso. Esse extraordinário poder levou-o a incríveis atos de arrogância, como, por exemplo, quando mandou que o juiz Sergio Moro enfiasse “num determinado lugar” o processo no qual ele, Lula, figurava como réu.

Enfim, Lula escolheu brigar e ofender o juiz que posteriormente haveria de julgá-lo. Não foi muito inteligente nesse episódio, nem quando passou a acusar o magistrado de agir politicamente, sem atentar para a circunstância de o processo ter nascido da ação saneadora do Ministério Público, voltada para a defesa da lei e da ordem.

Não se deve intuir como será a decisão da magistrada encarregada da sentença, mas, sem qualquer dúvida, a hipótese mais provável é de que venha uma nova condenação. A rigor, como se trata de um “repeteco” do processo judicial envolvendo o apartamento no Guarujá, havendo sentenças finais de Sergio Moro e do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, não se pode dizer que seja para a juíza um processo difícil de julgar.

Por isso mesmo talvez não tarde a chegada da nova sentença, até mesmo porque nenhum juiz gosta de ter a imprensa “no calcanhar”.

Caso haja uma nova condenação, deverá ser observado o disposto no artigo 111 da Lei das Execuções Penais: “Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. Parágrafo único: Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime”.

Esse conceito está expresso também no artigo 69 do Código Penal, o qual dispõe que o agente, se pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. Essa soma decorre do concurso material dos crimes, ou seja, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.

Nesses casos, repete-se, as penas são somadas. Tratandose de processos distintos, a soma será feita pelo juízo da execução, que nem sempre é o juiz prolator da sentença. A soma de condenações tornará mais difícil a possibilidade de Lula deixar a cadeia após o cumprimento de um sexto (...)

ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR ✽ DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM