Correio braziliense, n. 20224, 04/10/2018. Política, p. 3

 

Espera é pelo tira-teima

Paulo Silva Pinto 

04/10/2018

 

 

É difícil que a eleição do próximo domingo traga algo diferente da disputa entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) nos dois primeiros lugares, ficando os dois habilitados a disputar o segundo turno. “Só se acontecer algo muito forte. E tem que ser nos próximos dias. Se for na sexta-feira, já não adianta mais. O eleitor vai desconfiar de que é uma manipulação para mudar seu voto”, diz o cientista político Murilo Aragão, da Arko Advice.

Para a eleição de 28 de outubro, as simulações apontam a vitória de Haddad, mas isso está longe de ser um prognóstico seguro, alertam os analistas. “A nova delação pode ter um efeito forte”, alerta o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), em referência à delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba, que incrimina os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT. O depoimento teve o sigilo aberto na segunda-feira pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba.

“A narrativa da corrupção foi encoberta na semana passada pelas declarações a respeito do 13º salário. Mas, na campanha do segundo turno, vai voltar fortemente”, completa Aragão. O fato de que Bolsonaro, se vencer, terá tempo de tevê igual ao de Haddad será um instrumento importante para explorar esse aspecto. Outra dificuldade será o fato de que o PT terá poucos palanques de candidatos a governador nos maiores colégios eleitorais, depois do domingo.

Em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, o partido ficará fora da disputa no segundo turno. Em Minas, há chances de o governador petista Fernando Pimentel chegar à segunda etapa, mas é possível que o tucano Antonio Anastasia vença já no próximo dia 7. Na Bahia, Rui Costa, do PT, pode levar no primeiro turno, mas, com a antecipação do fim do embate, poderá ocorrer o fim da mobilização que favoreceria o presidenciável do partido.

A favor do PT, Aragão cita a grande capacidade de mobilizar a militância e uma forte equipe de campanha, que podem fazer a diferença na hora de rebater ataques. “O que haverá é uma disputa de narrativas”, afirma ele, em referência à ideia dos bolsonaristas de que o PT não deve voltar ao poder, devido à responsabilidade nos casos de corrupção, e à crença dos petistas de que Lula é vítima de perseguição política e teve um julgamento injusto.

“A maior parte das pessoas não está votando em propostas, mas a favor ou contra o lulismo e o petismo”, explica o cientista político Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele afirma que as manifestações de mulheres contra Bolsonaro, no fim de semana passado, podem ter efeito no primeiro e no segundo turnos. “Um terço dos eleitores admite mudar de voto”, ressalta. Ainda que as pessoas que foram às manifestações já tivessem o voto decidido, isso pode influenciar as decisões de quem está indeciso. “Há um efeito demonstrativo das mulheres e também dos movimentos gays”, ressalta.

 

Direita

Mesmo que Bolsonaro não vença, ele considera positivo o surgimento de pessoas que se assumem de direita, algo praticamente inédito na política brasileira. “Isso é muito bom para a democracia. Está surgindo de maneira inorgânica. E precisará de um partido que expresse essa demanda”, nota.

Para Aragão, da Arko Advice, Geraldo Alckmin (PSDB) não soube trabalhar bem com esse público. “Eles são eleitores do PSDB, que votaram no partido nas eleições de 2014. É como se Bolsonaro os tivesse alugado. Alckmin tentou despejar Bolsonaro na marra. Tentou expulsá-lo de sua área. Não deveria ter feito assim”, compara. Na avaliação do cientista político, foi um erro do tucano atacar tanto Bolsonaro quanto Haddad. “Ele deveria ter atacado apenas o PT, tentando reconquistar esse público, que já havia sido seduzido por Bolsonaro”, afirma.

Para Figueiredo, os votos de praticamente todos os candidatos que não chegarem ao segundo turno serão divididos entre as duas candidaturas. A pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) mostra que, de fato, há tendência de migração para o PT e o PSL, de forma desequilibrada e, às vezes, supreendente. Dos eleitores de João Amoêdo (Novo), 49% devem migrar para Haddad e apenas 16%, para Bolsonaro. Como Amoêdo tem 4% das intenções de voto nesse levantamento, aproximadamente dois pontos iriam para o candidato do PT e um ponto, para o do PSL.

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Cadeira vazia

Luiz Carlos Azedo 

04/10/2018

 

 

No Twitter, o candidato Fernando Haddad (PT) desafiou Jair Bolsonaro (PSL) a comparecer ao debate de hoje à noite, na TV Globo, chamando-o de covarde e acusando-o de propagar notícias falsas por meio de mensagens nas redes sociais, principalmente no WhatSapp, onde as fake news são mais difíceis de serem combatidas. Bolsonaro não vai ao debate, alega que gostaria de ir, mas foi proibido pelos médicos. Com isso, evita uma situação em que seria alvo de todos os candidatos, inclusive o petista, que somente agora passou a atacá-lo frontalmente. Até então, o PT atirava contra Geraldo Alckmin, enquanto o tucano tentava desconstruir Bolsonaro.

Em sua casa, na Barra da Tijuca, ontem, o candidato do PSL recebeu os médicos que o operaram no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O cirurgião Antônio Luiz Bonsucesso Macedo e o clínico cardiologista Leandro Echenique explicaram as razões do veto: “Nós contraindicamos participação em debates ou em qualquer atividade que pudesse cansá-lo ou obrigá-lo a falar por mais de 10 minutos”, disse Macedo. Bolsonaro se recupera da facada que recebeu em 6 de setembro, em Juiz de Fora, onde foi operado pela primeira vez. Desde então, ficou fora das ruas.Em contrapartida, intensificou sua campanha nas redes sociais, que está muito segmentada e pesada, o que provocou uma mudança de tática de Haddad.

Em entrevista à Rádio Jornal do Recife (PE), Haddad subiu o tom dos discursos. Atribuiu a subida de Bolsonaro nas pesquisas a mentiras espalhadas pelo adversário e admitiu a dificuldade para combatê-las: “Se ele [Bolsonaro] fosse valente, como diz que é, enfrentaria isso olho no olho, e não pelo WhatsApp. WhatsApp é coisa de covarde. Não é coisa de político sério.” No mais, manteve a retórica contra o mercado financeiro e desmentiu qualquer influência do líder petista José Dirceu num eventual governo petista.

Ontem, pesquisa do Ibope/Estadão mostrou oscilação nas intenções de votos de ambos: Bolsonaro subiu de 31% para 32% e Haddad, de 21% para 23%. Ciro (PDT) e Alckmin (PSDB) caíram um ponto e agora estão, respectivamente, com 10% e 7%. Marina se manteve com 4%. A situação dos demais é a seguinte: Amoêdo (Novo) e Meirelles (MDB) com 2%; Álvaro Dias (Podemos) e Cabo Daciolo (Patriotas), 1%; os outros não pontuaram, inclusive Boulos (PSol). Os votos brancos e nulos somam 11%; não sabem nem responderam, 6%. Esse resultado, porém, trouxe novo alento para a campanha de Haddad em relação a Bolsonaro, porque, na simulação de segundo turno, o petista aparece na frente do adversário: 43% a 41%. Pesquisa do DataFolha que analisamos ontem apresentou Bolsonaro como possível vitorioso no segundo turno. A rejeição de Bolsonaro caiu de 44% para 42% e a de Haddad também oscilou um ponto para baixo; na pesquisa do Ibope, está em 37%.

Sem Bolsonaro no debate, a disputa principal provavelmente será entre Haddad e Ciro Gomes, que intensificou sua campanha de voto útil, com a circulação de um manifesto apelidado de Alcirina, que propõe uma aliança do candidato do PDT com Alckmin e Marina, que, nesse caso, retirariam as candidaturas. É improvável que isso venha a ocorrer, mas Ciro insiste na proposta porque está de olho nos eleitores que admitem mudar o voto, para evitar um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. A candidatura de Marina Silva vem em queda desde o começo da campanha eleitoral, enquanto a de Alckmin, no decorrer da semana, começou a ser cristianizada nos redutos eleitorais do PSDB, principalmente em São Paulo e Minas.

 

Triângulo

A situação mais crítica para o tucano é em São Paulo, onde foi ultrapassado por Fernando Haddad, na capital e no interior. Com a disputa acirrada entre João Doria (PSDB),com 24%, e Paulo Skaf, 21%, Alckmin começa a ficar sem palanque, porque o ex-prefeito paulistano já deriva para Bolsonaro, enquanto o governador Márcio França (PSB), com 14%, prepara o desembarque na campanha de Haddad, que saiu do isolamento em que se encontrava no palanque de Luiz Marinho (PT), que tem 8%. Outro reduto tucano que está derivando para Bolsonaro é Minas Gerais, embora o senador Antônio Anastasia (PSDB) lidere a disputa contra o petista Fernando Pimentel (PT). No Rio de Janeiro, os candidatos do PT já se aliaram ao candidato do DEM, o ex-prefeito Eduardo Paes.