O globo, n. 31183, 22/12/2018. País, p. 4

 

Queiroz falta a novo depoimento

Igor Mello

Juliana Dal Piva

22/12/2018

 

 

Ex-assessor de Flávio não aparece, e senador eleito é intimado pelo MP

Investigado pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificar movimentações atípicas em sua conta bancária, o ex-policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), não compareceu de novo ao depoimento marcado para a tarde de ontem. Como na primeira vez, na última quarta-feira, ele alegou problemas médicos.

Pouco depois de Queiroz não aparecer, o MP informou que intimou Flávio Bolsonaro para depor no dia 10 de janeiro. Os promotores também vão intimar familiares do ex assessor, que atuou por 11 anos no gabinete do filho do presidente eleito, Jair Bolsonaro, como motorista e segurança. Eles devem começara depor na segunda semana de janeiro.

O MP informou, por meio de nota, que o advogado de Queiroz alegou que ele continua com problemas médicos e teve de ser internado “para realização de um procedimento invasivo com anestesia, o que será devidamente comprovado, posteriormente, através dos respectivos laudos médicos”.

A defesa do ex-assessor, que atuou como motorista e segurança de Flávio Bolsonaro entre 2007 e outubro deste ano, se comprometeu a apresentar os atestados aos promotores do Grupo de Atribuição Originária em Matéria Criminal (Gaocrim) até a sexta-feira da semana que vem. Queiroz já havia faltado ao depoimento na última quarta-feira, também soba justificativa de problemas médicos.

Movimentação milionária

Segundo o Coaf, Queiroz, que acumulava uma renda mensal de R$ 23 mil, somando os salários da PM e da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O órgão identificou movimentações atípicas, como fracionamento de depósitos e saques em dinheiro vivo.

A intimação de Flávio Bolsonaro será feita por meio de ofício enviado ao presidente em exercício da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), André Ceciliano (PT). A data sugerida pelos promotores, 10 de janeiro, poderá mudar, uma vez que Flávio Bolsonaro, por ser parlamentar, tem o direito a escolher a data.

Em nota, Flávio afirmou que “não é investigado, e não fez nada de errado ”. Disse ainda que“e sta ráàdis posição das autoridades competentes, por ser o principal interessado na elucidação dos fatos”.

Além de ouvir o senador eleito, o MP também fará diligências com o objetivo de obter outros elementos para a investigação. Os promotores disseram que outros assessores do gabinete do deputado e familiares de Queiroz prestarão depoimento no dia 8 de janeiro.

Além de Queiroz, foram nomeados por Flávio Bolsonaro a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, as filhas dele, Nathalia e Evelyn Melo de Queiroz, e a enteada, Evelyn Mayara de Aguiar Gerbatim. Queiroz indicou para um cargo até mesmo o ex-marido de sua esposa, Márcio da Silva Gerbatim, que foi motorista de Flávio entre 2007 e 2011.

O relatório do Coaf que cita Queiroz foi entregue ao Ministério Público Federal em janeiro de 2018 e anexado à Operação Furna da Onça, que prendeu deputados estaduais em novembro.

Desde que as informações se tornaram públicas este mês, o Ministério Público do Rio abriu procedimentos, que correm sob sigilo, para investigar possíveis irregularidades cometidas por servidores da Assembleia Legislativa, com base no relatório do Coaf.

PM fez 176 saques

Um levantamento do GLOBO com base no relatório do órgão de controle identificou que Queiroz fez um tour pelo Rio de Janeiro para sacar dinheiro vivo no período de um ano. Entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, o subtenente da PM fez 176 saques. Desse total, o levantamento conseguiu descobrir o endereço das agências bancárias onde 120 saques foram feitos.

Ao longo do período analisado pelo Coaf, Queiroz fez saque sem 30 diferentes agências bancárias localizadas em 14 bairros cariocas. Também há registros de retiradas em Belo Horizonte (MG) e Piraí, no Sul Fluminense. O local com mais saques registrados foi o Centro do Rio, onde está localizada a sede da Assembleia Legislativa.

Queiroz utilizou sete agências para realizar 53 retiradas, num total de R$ 212,9 mil, em média mais de R$ 4 mil por operação. Em quatro ocasiões, o PM percorreu as ruas do Centro para retirar dinheiro em dois ou mais endereços. Nos dias 19 e 20 de dezembro, foram feitos daques de R$ 5 mil em três agências, distantes 2,7 quilômetros entre si.

O ex-assessor parlamentar também frequentou cinco bancos na Barra da Tijuca, tendo feito neles 19 saques. Dois deles foram realizados na Avenida Lúcio Costa, a 400 metros do condomínio onde vive o presidente eleito, Jair Bolsonaro, amigo de Queiroz há mais de 30 anos.

O relatório do Coaf também chamou atenção para a movimentação atípica em depósitos em dinheiro vivo, sem identificação de autoria, na conta do ex-assessor de Flávio Bolsonaro. Entre elas, estão 59 repasses em espécie a Queiroz, que totalizam R$ 216 mil.

Também é possível verificar uma série de repasses com valores repetidos depositados mensalmente, sempre em períodos parecidos. Em sete meses a conta recebeu depósitos de R$ 1.771 feitos em uma agência localizada na Rua Jardim Botânico. Os depósitos nesse valor foram feitos sempre no mesmo dia ou pouco depois do pagamento de servidores da Alerj.

Calendário da investigação

Quarta-feira

Fabrício Queiroz faltou ao primeiro depoimento. A defesa alegou falta de tempo hábil para analisar os autos da investigação, além de uma “crise de saúde.”

Ontem

Pela segunda vez, Queiroz não apareceu para depor. Desta vez, seus advogados afirmaram que ele foi internado para um procedimento invasivo com anestesia.

28 de dezembro

A defesa do ex-assessor de Flávio Bolsonaro se comprometeu a apresentar os referidos laudos que comprovam a internação até a próxima sexta-feira.

10 de janeiro

Data marcada pelo MP-RJ para que Flávio preste “esclarecimentos acerca dos fatos”. Dois dias antes, familiares de Queiroz e assessores do gabinete vão depor.

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Intimidade com a família e cheque para a futura primeira-dama

22/12/2018

 

 

Quando a movimentação atípica na conta corrente de Fabrício Queiroz se tornou pública, uma pesquisa nas redes sociais permitiu conhecer o grau de proximidade do ex-assessor com a família Bolsonaro. A presença do subtenente da Polícia Militar Fabrício José Carlos de Queiroz, de 53 anos, é registrada em jogos de futebol, atos de campanha e churrascos de confraternização. Queiroz, como é conhecido, ganhou primeiro a confiança do presidente eleito, Jair Bolsonaro, antes de ir, há mais de dez anos, trabalhar no gabinete do deputado estadual Flavio Bolsonaro, o filho mais velho de Jair.

A exoneração do subtenente ocorreu em 15 de outubro deste ano. A justificativa é que ele saiu para tratar de sua ida para a reserva. Policial desde 1987, Queiroz já foi lotado no Batalhão Policial de Vias Especiais (BPVE). Há relatos, porém, de que a exoneração, a pedido, ocorreu após divergências na campanha de Flávio para o Senado.

No relatório em que cita a movimentação atípica de Queiroz, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) informa a renda mensal de R$ 23 mil, o que indica que acumulava os salários de subtenente e do gabinete, o que é permitido. Entre as movimentações atípicas registradas na conta de Fabrício Queiroz, há uma compensação de um cheque de R$ 24 mil pago à futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente eleito afirma que o cheque é parte do pagamento de uma dívida de R$ 40 mil. As transações atípicas também envolviam outros assessores, sendo que alguns deles são familiares de Queiroz. A mulher dele, Márcia de Aguiar, e duas filhas, de um total de quatro, também foram lotadas no gabinete de Flávio. Márcia tinha salário bruto de R$ 9.835 entre março de 2007 a setembro do ano passado. Na vaga dela, ficou sua filha Evelyn Mayara Gerbatim, 21 anos que estuda Psicologia. Nathália Melo de Queiroz, uma das filhas, trabalhou, entre setembro de 2007 a fevereiro de 2011, no gabinete da vice liderança do PP, partido de Flávio à época, com salário de R$ 6.490. Em agosto de 2011, foi para o gabinete de Flávio, com salário de R$ 9.835, onde ficou até dezembro de 2016.Ela foi substituída no gabinete de Flávio Bolsonaro pela irmã, Evelyn Melo de Queiroz. Ao sair da Alerj, Nathália foi lotada no gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, mas deixou o cargo em 15 de outubro, mesmo dia em que o pai pediu exoneração.

No entanto, no mesmo período em que Nathália estava lotada na Alerj e na Câmara, ela também atuava como personal trainer de diversas celebridades.