Correio braziliense, n. 20234, 14/10/2019. Política, p. 4

 

Propostas genéricas e sem clareza

Otávio Augusto

14/10/2019

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Especialistas avaliam que os programas de governo de Haddad e Bolsonaro pecam pela "pobreza" e falta de discussão de políticas públicas

Cento e quarenta páginas norteiam o futuro do país. Sessenta delas endossadas por Fernando Haddad (PT). As outras 80, por Jair Bolsonaro (PSL). Os presidenciáveis defendem ações para áreas críticas, como saúde e segurança. As propostas, contudo, são vazias, genéricas e pouco aplicáveis, segundo três especialistas que avaliaram os documentos a pedido do Correio. Entre as principais falhas, estão a ausência de clareza das medidas e a musculatura enfraquecida de sua viabilidade. Ao todo, 14 áreas foram comparadas.

Para Rui Tavares Maluf, cientista político da Universidade de São Paulo (USP), a disputa deste ano está “empobrecida” no campo das propostas. “A candidatura que desejar ter fôlego precisa desenhar melhor suas propostas. O eleitor não pode esperar o próximo presidente ser eleito para saber como será seu governo e o que será feito”, explica.

O especialista acredita que as falhas nos planos de governo se devem à redução do discurso. “A questão ficou na visão de bem contra o mal, sim ou não. Temos dois finalistas que não respondem o querem fazer e como farão. Muitos assuntos ficaram descobertos dos dois lados. Sem dúvida, isso exige uma atenção maior dos concorrentes e dos eleitores”, acrescenta.

O cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é categórico: falta discutir política pública nos planos de governo. Ele aponta os equívocos dos candidatos.

Para ele, o texto do PSL é focado em um nicho de eleitores. “Bolsonaro constrói um plano de governo com frase de efeito, sem diagnóstico e propostas. Declara que vai combater questões como ideologia de gênero e o comunismo. É um discurso enviesado para a demanda de determinados grupos sociais e reflete somente o ponto de vista desses grupos e traz propostas”, pondera.

Já a campanha petista erra, segundo Geraldo, ao criticar mais que trazer proposições. “Haddad traz uma versão para atacar um suposto governo conservador. Não traz propostas. É como se o documento fosse um alerta de como o partido vai se comportar numa possível oposição”, interpreta.

O professor e cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Caldas é crítico às propostas. “É preciso aprofundá-las. Estão no campo da generalidade. Gostaria que fossem mais apuradas”, reclama. Ele exemplifica a fragilidade dos planos de governo. “Quando se fala em geração de emprego, ainda não está claro de onde vêm as soluções e quais são as propostas.”

Haddad quer retomar 2,8 mil obras paradas para alavancar a criação de postos de trabalho. Bolsonaro aposta em um sistema econômico liberal para atrair investimentos e assim ampliar as oportunidades de emprego. “Ambas as propostas são genéricas. Tocar obras exige recursos e o momento é difícil. Apostar no comportamento do mercado necessita de um clima favorável. Espero que agora os candidatos apresentem algo mais sólido”, conclui.

 

Eles se defendem

Na defesa de seus projetos, as campanhas sobem o tom. Marcos Rogério de Souza, coordenador da equipe técnica do plano de governo de Haddad, usa as falhas do documento de Bolsonaro para alavancar a proposta petista. “São medidas sintéticas, com ideias vazias. Ninguém nunca apresentou um documento tão frágil. O plano de Haddad é detalhado em todas as áreas. Foi construído por acadêmicos, professores e gestores”, defende.

Ele considera que o documento traz um “caminho seguro para o Brasil”. “Para a economia, Bolsonaro apresenta jargões que expressam os interesses dos ricos, banqueiros e empresários. Ele defende a reforma trabalhista como está e quer uma nova carteira de trabalho. Na segurança, quer privatizar a responsabilidade. Em vez de assumir a responsabilidade do governo, Bolsonaro armando o cidadão o coloca para responder por sua própria segurança”, desaprova.

Durante dois dias, o Correio procurou a coordenação de campanha de Bolsonaro, seus assessores e interlocutores de seu partido para que comentassem o plano de governo defendido pelo PT e defendessem suas propostas. Ninguém respondeu até o fechamento desta edição.

No plano de governo, Bolsonaro destaca que quer “um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal”. “Um governo sem toma lá, dá cá, sem acordos espúrios. Um governo formado por pessoas que tenham compromisso com o Brasil e com os brasileiros. Que atenda aos anseios dos cidadãos e trabalhe pelo que realmente faz a diferença na vida de todos”, escreveu.

 

O que eles propõem

» Jair Bolsonaro (PSL)*

Saúde

Criar o Prontuário Eletrônico Nacional; garantir que toda força de trabalho da saúde possa ser utilizada pelo SUS; incentivar que todo médico brasileiro atenda a qualquer plano de saúde, criar a carreira de médico de Estado e treinar agentes comunitários de saúde para se tornarem técnicos de saúde preventiva.

 

Educação

Mudar o conteúdo e método de ensino, com mais matemática, ciências e português, sem a doutrinação e sexualização precoce; expurgar a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e promover a educação à distância.

 

Segurança

Recuperar as condições operacionais das Forças Armadas; acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias; reduzir a maioridade penal para 16 anos; e reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa.

 

Corrupção

Resgatar as 10 medidas contra a corrupção.

 

Infraestrutura

Desburocratizar, simplificar, privatizar e pensar de forma estratégica e integrada. Havendo baixo risco regulatório, o Brasil poderá atrair uma grande quantidade de investimentos.

 

Mulheres

Combater o estupro de mulheres.

 

Infância

Combater o estupro de crianças.

 

Ciência, Tecnologia e Inovação

Estimular jovens pesquisadores e cientistas das universidades a buscarem parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos. O Brasil deverá ser um centro mundial de pesquisa e desenvolvimento em grafeno e nióbio, gerando novas aplicações e produtos.

 

Previdência

Propor um novo modelo de previdência: por capitalização. Seria uma forma de alavancar a poupança para a aposentadoria. Novos participantes terão a possibilidade de optar entre os sistemas novo e velho. E aqueles que decidirem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas.

 

*O candidato não apresenta propostas para negros, LGBTs, idosos, meio ambiente e seca.

 

» Fernando Haddad (PT)

Saúde

Regionalizar serviços de saúde; aprimorar a regulamentação das relações em particular com as organizações sociais; promover a reforma psiquiátrica; criar a rede de clínicas de especialidades médicas; e implantar o prontuário eletrônico.

 

Educação

Investir progressivamente 10% do PIB no setor; implementar custo-aluno-qualidade (CAQ); institucionalizar o novo Fundeb, com aumento da complementação da União; e ajustar a Base Nacional Comum Curricular.

 

Segurança

Reduzir as mortes violentas; refazer o Plano Nacional de Redução de Homicídios; fortalecer os sistemas de informação sobre segurança pública; e aprimorar a política de controle de armas e munições, reforçando seu rastreamento.

 

Corrupção

Aperfeiçoar as leis e os procedimentos que garantam cada vez maior transparência e prevenção à corrupção, bem como aprimorar os mecanismos de gestão e as boas práticas regulatórias dos órgãos públicos.

 

Infraestrutura

Expandir parcerias com o setor privado por meio de concessões e outras parcerias público-privadas; criar o fundo de financiamento da infraestrutura, composto por pequena parcela redirecionada das reservas internacionais e recursos do BNDES e privados.

 

Mulheres

Incentivar políticas que promovam a autonomia econômica das mulheres, a igualdade de oportunidades e isonomia salarial no mundo do trabalho; e recriar o Ministério das Mulheres.

 

Negros

Adotar medidas para a valorização dos negros, visando à equiparação salarial e maior presença nos postos de chefia e direção; e elaborar o Plano Nacional de Redução da Mortalidade da Juventude Negra e Periférica.

 

LGBTs

Criar nacionalmente o Programa Transcidadania, que garantirá bolsa de estudos a pessoas travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade para concluírem o ensino fundamental e médio

 

Idosos

Desenvolver políticas para a proteção socioeconômica e o envelhecimento ativo da população, especialmente em áreas de baixa renda, além de implementar o Plano Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável.

 

Infância

Apoiar os municípios para a ampliação das vagas em creche; combater o trabalho infantil; retomar políticas de proteção prevenindo o abandono e a violência; e aperfeiçoar e equipar os conselhos tutelares.

 

Meio ambiente

Investir na gestão sustentável dos recursos hídricos, protegendo aquíferos e lençóis freáticos da contaminação e superexploração, recuperando nascentes, despoluindo rios e ampliando as obras de saneamento.

 

Seca

Ampliar o Programa Um Milhão de Cisternas; e dar continuidade ao Projeto de Integração do rio São Francisco (PISF).

 

Ciência, Tecnologia e Inovação

Aumentar o orçamento das agências de fomento federais; implementar o plano decenal de aumento dos investimentos nacionais em CTI, tanto governamentais quanto empresariais, visando atingir o patamar de 2% do PIB em investimentos até 2030.

 

Previdência

Revogar medidas aprovadas por Michel Temer; promover o equilíbrio e a justiça previdenciária; e garantir que serão adotadas medidas para combater, na ponta dos gastos, privilégios previdenciários incompatíveis com a realidade da classe trabalhadora brasileira.

 

Frases

"É preciso aprofundá-las. Estão no campo da generalidade. Gostaria que fossem mais apuradas”

Ricardo Caldas, cientista político e professor da UnB

 

"A candidatura que desejar ter fôlego precisa desenhar melhor as propostas. O eleitor não pode esperar o próximo presidente ser eleito para saber como será seu governo e o que será feito”

Rui Tavares Maluf, cientista político da USP