O globo, n. 31185, 24/12/2018. País, p. 5

 

Novo advogado de Cabral decide deixar delação

Marco Grillo

24/12/2018

 

 

João Bernardo Kappen recebeu, há duas semanas, uma procuração do ex-governador para negociar colaboração premiada com o Ministério Público Federal no Rio e a Procuradoria-Geral da República

O advogado contratado para negociara delação premiada de Sérgio Cabral vai deixar o caso e será substituído. Também sairá da defesa o antigo advogado, que discorda da delação. A mudança na estratégia de defesa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB), que optou por tentar um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF) —a informação foi revelada ontem pelo colunista do GLOBO Lauro Jardim —, sofreu nova reviravolta.

As negociações aconteceriam entre o advogado João Bernardo Kappen, o MPF e a Procuradoria-Geral da República, mas, ontem à noite, ele informou ao GLOBO que outro escritório vai assumir o caso. Há duas semanas, ele havia recebido uma procuração do ex-governador para representá-lo nas conversas com as autoridades.

Não foi a única baixa. O advogado Rodrigo Roca, que assumiu as ações em meados de 2017, resolveu deixar o caso também ontem. Ele não concorda com os novos planos do ex-governador.

Com a recente condenação em segunda instância na Operação Calicute e a colaboração premiada de Carlos Miranda, seu exoperador financeiro, Cabral viu estreitarem os caminhos de sua defesa pelas vias fora da delação.

Filho de Cabral, Marco Antônio Cabral não respondeu aos contatos da reportagem para falar sobre as alterações na defesa.

Entre as promessas do exgovernador, estão revelações sobre corrupção no Poder Judiciário e entre ex-integrantes do alto escalão do Ministério Público do Estado do Rio — o ex-procurador-geral de Justiça Cláudio Lopes chegou a ser preso sob a acusação de receber uma mesada para proteger o ex-governador.

Também está no cardápio a confissão sobre a compra de votos para a organização dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. O esquema já foi alvo do MPF na Operação Unfair Play — Cabral é réu no processo —, e a possível nova postura sobre os Jogos representaria uma mudança brusca em relação a outras declarações dele sobre o tema.

Professor de Direito Penal da UFRJ, Francisco Ortigão explica que os benefícios estarão relacionados coma “efetividade” dos depoimentos.

— Nos processos em que já foi condenado, ele pode te ruma progressão de regime diferenciada. Em cima de novas revelações, é possível ter perdão em determinados crimes e redução de até dois terços na pena privativa de liberdade.

A possível delação representa uma nova alteração na estratégia de defesa de Cabral, cujas penas somadas na Lava-Jato já ultrapassam 197 anos. No início, o ex-governador negava ter cometido qualquer crime; depois, passou a admitir que usou para fins pessoas recursos de caixa dois de campanhas eleitorais; recentemente, decidiu ficar em silêncio nos depoimentos — na semana passada, uma audiência da Operação Ponto Final foi adiada após Cabral e outro réu informarem que não responderiam às perguntas.

Em outro momento, Cabral chegou a propor a autoridades da Lava-Jato a confissão de crimes em troca da prisão domiciliar, mas a conversa não prosperou.

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Em SP, Alckmin e Haddad entram na mira da operação

Gustavo Schmitt

24/12/2018

 

 

Delações citam políticos de peso; tucano e petista negam acusações

Denúncias de caixa dois em campanhas unem políticos de PT, PSDB, MDB e PSD

Embora ainda não tenha alcançado nomes de peso, como aconteceu no Rio e no Paraná, a Lava-Jato de São Paulo chega a 2019 com a mira voltada para políticos das cúpulas partidárias de PT e PSDB. Entre os alvos dos processos que vão se desenrolar ao longo do ano estão o ex-governador Geraldo Alckmin e o ex-prefeito Fernando Haddad.

Em um ano e cinco meses de trabalho, ninguém foi condenado na Lava-Jato de São Paulo, que se divide entre o Ministério Público Federal (MPF) e o MP estadual. Os procuradores federais ofereceram quatro denúncias. Já no âmbito estadual, há pelo menos 15 inquéritos em andamento e sete acordos com empresas.

Alckmin e Haddad são citados por delatores como beneficiários de caixa dois para campanhas eleitorais passadas. Após o fracasso nas eleições de outubro, ambos terão que se defender sem foro privilegiado.

O tucano terá que esclarecer, já no início do ano, a citação de seu nome em esquema de doações de R$ 4,5 milhões via caixa dois da CCR para sua campanha ao governo paulista em 2010. A concessionária fez acordo com o Ministério Público Estadual e se comprometeu a pagar R$ 81,5 milhões.

Para o acordo ser homologado, é preciso provar o que a empresa contou. Por isso, os promotores devem ouvir também o operador Adir Assad, que denunciou o esquema, além de testemunhas que atuaram como intermediárias dos repasses.

Além de Alckmin, também foram citados como beneficiários de caixa dois da CCR o senador José Serra (PSDB), a ex-ministra Marta Suplicy (MDB) e o ministro Gilberto Kassab (PSD). Todos negam as acusações.

Em novembro, quando o acordo foi revelado, Alckmin disse que jamais recebeu recursos da CCR e que o financiamento de suas campanhas eleitorais sempre foi feito de forma legal e sob fiscalização da Justiça.

O ex-governador tucano também é alvo de ação de improbidade do Ministério Público Estadual sob a acusação de receber R$ 7,8 milhões de caixa dois da Odebrecht para a campanha de 2014. A ação foi apresentada no meio da campanha eleitoral. À época, a defesa de Alckmin disse que a peça apresenta “fragilidade técnica, irregularidade e ilegalidade”. Alckmin negou ter recebido recursos de forma irregular.

Dersa preocupa

No MPF, o caso que mais preocupa o entorno de Alckmin e de outros tucano sé a investigação sobre a Dersa, empresa de obras rodoviárias doestado com cerca de R$ 15 bilhões em contratos suspeitos.

Os procuradores apostam na cooperação internacional coma Suíça para R$113 milhões em contas no exterior atribuídos ao exdiretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador de propinas. Eles acreditam que isso ajudará a identificar o caminho do dinheiro para campanhas do PSDB.

Um segundo flanco dos procuradores envolve outros ex-executivos da Dersa. Denunciado por fraude, o ex-diretor Pedro da Silva tem empresas que movimentaram R$ 50 milhões em depósitos em espécie, feitos por pessoas que não tinham renda para isso. Assim como Paulo Preto, ele foi solto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Outro ex-presidente da Dersa, Laurence Casagrande é réu numa ação que investiga aditivos nas obras do Rodoanel. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o prejuízo teria sido de R$ 235 milhões. Os três afirmam ser inocentes.

Pedro e Paulo Preto foram sondados sobre a possibilidade de fazerem delação premiada, mas as conversas esfriaram depois que foram soltos pelo Supremo.

Já Haddad é acusado de ter recebido R$ 2,6 milhões da UTC para pagar dívidas de sua campanha à prefeitura de São Paulo em 2012. No fim de agosto, o Ministério Público entrou com uma ação de improbidade contra o petista. O ex-prefeito sustenta que a denúncia não apresenta provas e é uma tentativa de “reciclar” a delação de Ricardo Pessoa, que o petista classifica como sem credibilidade. A defesa do petista lembra que, enquanto era prefeito, Haddad contrariou interesses da empreiteira ao cancelar as obras de um túnel.

Já condenado na Lava-Jato de Curitiba e alvo de processos no Distrito Federal, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva também está na mira do MPF paulista. No mês passado, procuradores o denunciaram sob a acusação de lavagem de dinheiro, por ter recebido R$ 1 milhão, na forma de doação para o Instituto Lula, após influenciar decisões do presidente da Guiné Equatorial. O ex-presidente nega.