Título: ONU suspeita de tráfico internacional de pessoas
Autor: Mader , Helena
Fonte: Correio Braziliense, 06/07/2012, Brasil, p. 7

A hipótese de que o esquema de adoções irregulares de adultos brasileiros por estrangeiros esteja relacionado ao tráfico internacional de pessoas já era investigada pela Polícia Federal e também chamou a atenção do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. A representação da ONU no Brasil analisa se as adoções forjadas podem ser uma forma de legalizar brasileiros na Europa, para explorá-los posteriormente. Segundo a organização, existem hoje 131 rotas internacionais de tráfico de pessoas com partida do país e a negociação da cidadania europeia por meio de falsas adoções pode ser uma nova forma de convencimento de cidadãos brasileiros para levá-los a países como Portugal e Reino Unido.

Segundo o Correio mostrou em série de reportagens publicadas desde a última segunda-feira, a Justiça goiana foi alvo de um esquema criminoso de adoção fraudulentas de adultos. Brasileiros pagavam para estrangeiros, principalmente portugueses e italianos, para ganharem falsos pais europeus. O processo, aberto por meio de procuração, tramitava em pequenas comarcas goianas, como as de Itapaci, Ceres e Carmo do Rio Verde. A Corregedoria-Geral de Justiça de Goiás investiga o envolvimento de funcionários dos tribunais no esquema. Alguns casos foram aprovados em apenas um dia e, com a sentença judicial em mãos, os brasileiros alteravam a filiação da Certidão de Nascimento, mudando a cidadania para outro país. Havia até mesmo escritórios de advocacia brasileiros atuando nos processos fraudulentos.

O coordenador da Unidade de Governança e Justiça do Escritório Regional das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Rodrigo Vitória, explica que essa fraude das adoções pode ser uma nova estratégia do crime organizado para ludibriar pessoas e traficá-las. "Essa, pode sim, ser uma nova modalidade para convencer as pessoas a irem para a Europa serem exploradas", afirma Rodrigo.

Ele lembra que o tráfico internacional de pessoas é um crime de natureza complexa e, para caracterizar o delito, os investigadores verificam se a vítima foi ludibriada ou se houve transporte, acolhimento e exploração. Outro aspecto da fraude das adoções fortalece a possibilidade de ela estar relacionada ao tráfico de pessoas. "Essas irregularidades aconteceram em Goiás, que é um dos principais pólos do crime do Brasil, junto ao Ceará, Minas Gerais e São Paulo", justifica Rodrigo Vitória.

O Escritório Regional das Nações Unidas sobre Drogas e Crime não atua diretamente nos casos de tráfico internacional, mas mantém parcerias de cooperação técnica com o governo brasileiro para desenvolver ações de prevenção e capacitação de servidores públicos. No fim deste ano, a organização vai divulgar um novo levantamento sobre o tráfico de pessoas. Esse estudo é elaborado a cada dois anos.

Apurações

No âmbito da Polícia Federal, a investigação a respeito das adoções fraudulentas já começou. A apuração foi aberta por determinação da Interpol. O delegado da PF e chefe da Organização Internacional de Polícia Criminal no Brasil, Luiz Eduardo Navajas, mencionou à reportagem a suspeita de que a prática das adoções poderia ser uma forma de tráfico de pessoas. A unidade da instituição que trata sobre esse assunto ficou responsável pela apuração das denúncias. Ontem, a assessoria de imprensa da PF informou que os investigadores já começaram a se reunir com representantes de embaixadas de países europeus que podem ser prejudicados pela farsa. A equipe também está tentando identificar e localizar possíveis vítimas do golpe.

O superintendente da Polícia Federal em Goiás, Joaquim Mesquita, explica que as quadrilhas especializadas no tráfico de pessoas eram mais atuantes há cerca de cinco anos, quando a economia europeia estava muito mais forte do que a brasileira. "Agora, esses crimes não são mais tão recorrentes porque o número de brasileiros interessados em sair do país caiu bastante", explica. "Os aliciadores fazem promessas de emprego e de moradia às vítimas e, quando essas pessoas saem do Brasil, passam a ser exploradas", comenta Mesquita.

Atuação além do contrabando Além de combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes no Brasil também atua contra a corrupção e contra as drogas e luta pela prevenção contra a Aids e pelas melhorias de tratamento da doença. O escritório tem ainda trabalhos de combate ao crime e de incremento da Justiça criminal.

Prevenção é prioridade

A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do estado de Goiás, Nelma Pontes, também acredita que a fraude denunciada pelo Correio possa esconder um esquema maior para levar brasileiros ilegalmente para o exterior. "Essa deve ser uma forma de legalizar a ida de pessoas para a Europa e é preciso que o governo fique alerta para saber se esses cidadãos brasileiros não serão explorados lá fora."

Segundo Nelma, o foco do trabalho do núcleo é a prevenção dessa prática mas a equipe também acolhe vítimas. "Quando essas pessoas voltam, oferecemos suporte. É gente que foi vítima de tráfico para exploração sexual ou que foi submetida a trabalho escravo. Atendemos principalmente mulheres que foram traficadas para países como Espanha, Suíça e Itália", detalha a coordenadora.