O globo, n. 31182, 21/12/2018. País, p. 8

 

Planalto ignorou sugestão e mudou indulto de 2017

Francisco Leali

21/12/2018

 

 

Documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que ministro da Justiça recomendou a Temer, em 18 de dezembro do ano passado, que não incluísse no benefício condenados por corrupção; três dias depois, o presidente fez o oposto

Documentos do Ministério da Justiça, obtidos pelo GLOBO com base na Lei de Acesso à Informação, indicam que o decreto de indulto de 2017 foi alterado no Palácio do Planalto para permitir que presos condenados por corrupção pudessem ser libertados. No centro da polêmica envolvendo a possibilidade de o presidente Michel Temer acabar tirando da cadeia condenados na Operação Lava-Jato, o decreto foi editado ignorando limites propostos pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Os registros do ministério mostram que Torquato Jardim não só sugeriu que os crimes de corrupção fossem excluídos do direito a indulto, como ainda escreveu mensagem a Temer sobre a importância dessa exclusão para não beneficiar condenados recentes.

“No atual momento, cuja preocupação maior da sociedade é de ver fortalecida a luta contra a corrupção, resulta plausível que o indulto para as pessoas condenadas por esses crimes não se amoldaria ao interesse público em ver efetivadas as sanções impostas pela prática dessas gravíssimas condutas ilícitas, havendo risco de se verem indultadas pessoas recentemente condenadas por atos de malversação de dinheiro público, trazendo prejuízos para o Estado e para a sociedade, em vários graus de extensão”, escreveu Torquato Jardim.

A mensagem foi assinada eletronicamente pelo ministro às 19h18m do dia 18 de dezembro de 2017. Logo em seguida, o texto foi enviado à Presidência da República. Três dias depois, Temer assinou decreto que deixou de proibir indulto nos casos de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Documentos da Casa Civil mostram que a mudança foi chancelada às 13h02m do dia 22 de dezembro pelo então Subchefe para Assuntos Jurídicos e hoje ministro dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha. Nota técnica assinada por ele e dois assessores suprimiu o trecho que impediria a concessão de indulto a condenados por corrupção.

Outra mudança feita no Planalto foi a retirada do limite de pena para concessão de indulto em crimes sem uso de violência. No texto de Torquato Jardim, havia exigência de que o preso deveria ter cumprido um quarto da pena, mas sua condenação não poderia ter sido superior a 12 anos de cadeia.

Na versão oficial, Temer reduziu para exigência de cumprimento de um quinto da pena e apagou o teto de 12 anos. Ou seja, o preso poderia ter sido condenado a qualquer pena superior a esse prazo.

No final de dezembro de 2017, a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), concedeu liminar suspendendo os efeitos do decreto de Temer.

Na ocasião, Torquato Jardim veio a público para defender o texto de Temer. Apesar de internamente no governo ter defendido a importância de que crimes de corrupção não fossem objeto de indulto, publicamente o ministro alegou que o MPF estava equivocado e não havia risco de soltura de criminosos da Lava-Jato.

“Resta esperar que o debate se ponha em plano institucional — fiel aos conceitos legais estabelecidos e à tradição cultural da nossa gente. E, principalmente, despido de realismos fantásticos —apenas leal aos fatos concretos”, escreveu o mesmo ministro que havia alertado para o risco de concessão de indultos a pessoas “recentemente condenadas por atos de malversação de dinheiro público”.

No mês passado, seis dos 11 ministros do STF reconheceram que o presidente Temer tem liberdade para definir os critérios do indulto. Um pedido de vista impediu que o julgamento fosse concluído

O GLOBO entrou em contato com as assessorias do presidente Temer e do ministro da Justiça. No entanto, ambas não responderam à mensagem enviada pelo jornal até o início da noite de ontem.

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Temer não deve concender perdão natalino neste ano

Catarina Alencastro

Carolina Brígido

21/12/2018

 

 

Decreto de indulto jamais deixou de ser assinado desde a redemocratização; Conselho de Política Criminal e Penitenciária sugeriu texto

O impasse estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao discutir a extensão dos poderes presidenciais para conceder indulto natalino a presos, levou o presidente Michel Temer a estudar adotar uma posição radical. Segundo auxiliares palacia-nos revelaram ao GLOBO, Temer teria decidido, pela primeira vez na redemocratização, não conceder o perdão presidencial a detentos.

A decisão, segundo um auxiliar, teria sido tomada depois do pedido de vista do ministro Luiz Fux que paralisou o julgamento do Supremo quando a maioria dos magistrados da Corte já havia votado para não impor limites ao decreto assinado por ele em 2017. Como o STF está em recesso, o caso só voltará a plenário com Temer fora do poder.

Com a discussão indefinida, segue em vigor a liminar do ministro Roberto Barroso que vetou o indulto de Temer concedendo perdão judicial a criminosos que tivessem cumprido um quinto da pena em qualquer caso de crime praticado sem violência. Autoridades enxergaram no texto — o mais abrangente dos últimos 30 anos — uma tentativa de livrar da cadeia condenados pela Lava-Jato.

Embora integrantes do governo tenham confirmado ao GLOBO a intenção do presidente em não assinar o decreto deste ano enquanto o Supremo não conclua a discussão, Temer não tem restrições legais para estabelecer o perdão natalino neste ano. Se mudar de ideia, ele poderá assinar o indulto até 31 de dezembro. A área técnica do governo inclusive já havia adiantado uma proposta, como revelou O GLOBO em novembro.

No documento elaborado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a sugestão é para que o decreto deste ano exclua da lista do benefício presos condenados por ao menos um de uma lista de 30 crimes. Os decretos mais recentes não continham lista com crimes imunes ao indulto, apenas a exclusão do benefício para quem cometeu crime hediondo.

Entre os crimes listados na proposta do Conselho estão corrupção, tráfico de drogas, crimes contra o sistema financeiro nacional, fraude em licitações, tortura, lavagem de dinheiro, organização criminosa, furto com uso de explosivo, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, associação criminosa, peculato, concussão, tráfico de influência, exploração de prestígio, homicídio em decorrência de embriaguez do motorista e crime praticado contra autoridades policiais.

Pelos critérios propostos, só poderão ser indultados condenados por até oito anos de prisão, desde que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça. Para ser beneficiado, o preso deve ter cumprido um terço da pena, se não for reincidente; e metade da pena, se for reincidente. No ano passado, não havia pena limite para receber o indulto, bastava ter cumprido um quinto da pena. No texto do Conselho, crimes praticados com violência ou grave ameaça podem ser indultados se a pena de prisão for de até quatro anos. A pessoa precisa ter cumprido um terço da pena, se não reincidente; ou metade, se reincidente.

Dodge pede abertura de 5 inquéritos

> A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ontem ao Supremo Tribunal Federal ( STF ) a abertura de mais cinco inquéritos para investigar o presidente Michel Temer e outras cinco pessoas.

> Uma das denúncias, contra Temer e o ministro Moreira Franco, foi encaminhada à 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Se o pedido for aceito pelo STF, a investigação será enviada em janeiro ao juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava-Jato no Rio, conforme noticiou o colunista do GLOBO Bernardo Mello Franco, ontem, em seu blog. Bretas já prendeu o ex-governador Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista.

> O caso envolve a suspeita de pagamento de R$ 1,1 milhão em propina em troca de um contrato para a construção da usina nuclear Angra 3.