O globo, n. 31181, 20/12/2018. País, p. 4

 

Solta, prende

Carolina Brígido

Mateus Coutinho

20/12/2018

 

 

Toffoli anula decisão de Marco Aurélio que libertaria Lula e milhares de presos

Durante seis horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) esteve ontem no centro das atenções do país por causa de uma decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello. Assinado nas últimas horas de trabalho da Corte antes do recesso de fim de ano, o despacho libertaria condenados em segunda instância com recurso pendente de julgamento. O efeito da medida poderia atingir milhares de presos do país, inclusive do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava-Jato pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região.

Marco Aurélio concedeu a liminar às 14h. Pouco antes das 20h, o presidente da Corte, Dias Toffoli, já no regime de plantão, revogou a decisão, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

A notícia logo repercutiu no meio político. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, exaltou a postura de Toffoli. “Parabéns ao presidente do Supremo por derrubar a liminar que poderia beneficiar dezenas de milhares de presos em segunda instância no Brasil e colocar em risco o bem estar de nossa sociedade, que já sofre diariamente com o caos da violência generalizada”, escreveu Bolsonaro no Twitter.

Segundo Toffoli, o plenário autorizou, em outubro de 2016, o início do cumprimento da pena de condenados por tribunais em segunda instância. A liminar de Marco Aurélio, portanto, contrariou o colegiado.

“A decisão já tomada pela maioria dos membros da Corte deve ser prestigiada pela presidência. E é por essas razões, ou seja, zeloso quanto à possibilidade desta nova medida liminar contrariar decisão soberana já tomada pela maioria do tribunal pleno, que a presidência vem a exercer o poder geral de cautela atribuído ao Estado-Juiz”, escreveu Toffoli.

O presidente do STF explicou que derrubou a liminar para “evitar grave lesão à ordem e à segurança públicas”, pois, segundo a procuradora-geral, “seria permitida a soltura, talvez irreversível, de milhares de presos com condenação proferida por tribunal”. Se Toffoli não suspendesse a liminar do colega, disse Dodge, o Judiciário “perderia em estabilidade e teria sua seriedade posta em xeque”.

Marco Aurélio queria que o impasse sobre a prisão em segunda instância fosse julgado no plenário, com os 11 ministros, em 1º de fevereiro, data da primeira sessão de 2019. Com a revogação da liminar, ficou marcado para 10 de abril. A tendência da Corte é manter o entendimento atual, de que a pena pode começar a ser cumprida depois que a condenação for confirmada pela segunda instância.

A liminar de Marco Aurélio não era de cumprimento automático. Caberia a cada juiz responsável pela execução penal libertar os presos sob sua tutela. No texto, Marco Aurélio esclarece que, como exceção, deveriam continuar atrás das grades os detentos com prisão preventiva decretada.

Ele enfatizou que a Constituição garante o princípio da não culpabilidade, segundo o qual uma pessoa só pode ser presa depois de condenação transitada em julgado. E que “a regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória”.

Surpresa indigesta

A decisão de Marco Aurélio foi elaborada ao longo da semana e já estava pronta desde ontem de manhã. Pouco depois da última sessão do ano, por volta de meio-dia, os ministros se reuniram para almoçar no tribunal, a convite de Toffoli. Mesmo com a decisão pronta, o ministro não contou a ninguém o barulho que provocaria horas depois. Somente por volta de 14h, quando os ministros já tinham dispersado do evento, a decisão foi divulgada.

Quando souberam, ministros ouvidos pelo GLOBO se surpreenderam com a atitude do colega. Um deles, no entanto, não se mostrou surpreso. Disse que Marco Aurélio é “assim mesmo”. Assim que a decisão foi divulgada, começou a operação para derrubar a liminar. Ministros procuraram Toffoli, que já estava certo de que a medida não poderia perdurar.

Apesar da decisão de Toffoli, no início da noite de ontem a defesa do ex-presidente Lula recorreu ao próprio presidente da Corte para que o petista seja posto em liberdade. Não há previsão de quando o pleito será analisado.

Arranhões

NÃO HAVIA mesmo como o ministro Dias Toffoli, na condição de presidente do Supremo, deixar de atender ao pedido da procuradorageral da República, Raquel Dodge, para derrubar, também de forma monocrática, decisão individual de Marco Aurélio Mello que soltava presos condenados em segunda instância, entre eles o ex-presidente Lula.

NÃO SÓ a jurisprudência do início de cumprimento de pena a partir da condenação em segunda instância foi estabelecida em sessão do plenário da Corte, com o voto de todos, como também o próprio Toffoli acabara de agendar para 10 de abril o julgamento do tema. No mínimo, um contrassenso.

RESTA DO atropelo mais arranhões na imagem da Corte e mais trabalho para Toffoli, que pretende, na sua gestão, aparar arestas entre ministros e privilegiar o trabalho coletivo.

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Decisões e polêmicas de última hora

20/12/2018

 

 

A história recente do Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que, apesar de detentores de muito poder, os ministros da Corte são brasileiros típicos e costumam decidir sobre questões polêmicas no último dia. Ontem, véspera do recesso, não foi diferente.

A manhã começou com a Polícia Federal nas ruas para cumprir ordem de busca e apreensão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes contra Gilberto Kassab, titular da pasta de Ciência e Tecnologia no governo do presidente Michel Temer (detalhes na página 9). À tarde, uma decisão do ministro Marco Aurélio revogou todas as prisões de condenados em segunda instância, com potencial para afetar o destino do ex-presidente Lula.

Ao longo do dia, outras decisões polêmicas foram tomadas em caráter individual por ministros do STF. O mesmo Marco Aurélio, pouco antes, tinha determinado que a votação no Senado para a escolha do presidente seja aberta (leia mais na página 10). A eleição está marcada para fevereiro de 2019 e, segundo o regimento, é feita por meio de voto secreto.

Ricardo Lewandowski, por sua vez, suspendeu a validade de uma Medida Provisória que adiava para 2020 o reajuste de servidores públicos. Com isso, o aumento deverá ser pago a partir de janeiro. O impacto da decisão nos cofres públicos é de R$ 4,7 bilhões, uma conta que será paga pelo governo de Jair Bolsonaro.

O dia da Justiça terminou com Dias Toffoli revogando a liminar sobre os presos em segunda instância.

Ao contrário do brasileiro comum, os ministros do STF não deixam tudo para o último dia porque empurraram o prazo com a barriga. Aliás, ministro sequer tem prazo para decidir. Para eles, tomar decisões no apagar das luzes significa a impossibilidade de um recurso ser levado logo ao plenário. No recesso, que vai até o fim de janeiro, só decisões urgentes são tomadas, em regime de plantão, pelo presidente da Corte. Plenário, agora, só no dia 1º de fevereiro de 2019.

No caso de Marco Aurélio, a decisão não teve vida longa. Desde as 15h de ontem, processos considerados urgentes já eram encaminhados para a presidência do STF. Portanto, o recurso da Procuradoria Geralda República( PGR) caiu nas mãos de Toffoli. São consideradas urgentes, em primeiro lugar de importância, ações que tratam de réus presos.

As decisões relevantes perto do recesso começaram, oficialmente, na última quinta-feira, quando Luiz Fux mandou prender para fins de extradição o ex-ativista italiano Cesare Battisti. Como só haveria uma sessão de julgamentos até o fim do semestre, ade ontem, não houve tempo para o caso ser levado ao plenário.

No ano passado, o clima de fim de ano era o mesmo no STF. Há exato um ano, Gilmar Mendes suspendia o uso de condução coercitiva de investigados para interrogatório. Ele determinou que o agente público que descumprisse a decisão poderia ser responsabilizado nas esferas disciplinar, civil e penal. No mesmo dia, Edson Fachin mandou prender o então deputado Paulo Maluf. Ele começaria a cumprir pena de sete anos e nove meses de prisão.

Em 30 de junho de 2016, véspera do recesso do meio do ano, Marco Aurélio autorizou que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) retomasse suas atividades no Senado. Ele estava afastado desde maio por decisão de Edson Fachin.