O globo, n. 31181, 20/12/2018. País, p. 6

 

Para Lava-Jato, decisão de Marco Aurélio teria efeito ‘catastrófico’

Thiago Herdy

Cleide Carvalho

20/12/2018

 

 

Procuradores se uniram em repúdio à possível revisão das prisões de condenados por corrupção em segunda instância

Representantes das diferentes forças-tarefas da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) reagiram ontem à liminar do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que determinava a libertação de presos condenados em segunda instância e sem recursos finais julgados. Antes de a decisão ser revogada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, seis horas depois, a perspectiva era que a medida beneficiasse alguns dos condenados no âmbito da investigação, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— A decisão (de Marco Aurélio) quebra a estabilidade do próprio Supremo, e nós esperamos que seja revertida, para que não tenhamos os efeitos catastróficos que podem surtir sobre a sociedade brasileira — afirmou o coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, horas antes da revisão de Toffoli.

Para o procurador, que convocou uma entrevista coletiva às pressas, a liminar violava princípios como a estabilidade das instituições jurídicas e da coletividade.

—O órgão Supremo Tribunal Federal é maior que suas partes, ministros não devem funcionar como ilhas isoladas. Entendemos que a decisão contraria o sentimento da sociedade, que exige o fim da impunidade. Ela na verdade consagra a impunidade, violando os precedentes estabelecidos pelo próprio STF —afirmou.

Para o coordenador, a decisão ia além do caso Lula, por se estender a presos acusados de diferentes crimes. Ele lembrou, no entanto, que teria efeito especial nos presos por corrupção:

— Os presos de colarinho branco tendem a não ser punidos porque nós temos um sistema recursal e prescricional altamente lenientes — disse.

Impacto total incerto

Dallagnol lembrou que, embora o MPF considerasse haver pelo menos três dezenas de presos vinculados a processos da Lava-Jato detidos em unidades prisionais do Paraná, não era possível dizer com precisão quantos seriam libertados pela decisão de Marco Aurélio.

Isso porque boa parte dos presos cumprem pena após confirmação de sentença em segunda instância mas também têm, contra si, pedidos de prisão preventiva válidos. Esses casos não seriam atingidos pela decisão do ministro do Supremo.

O procurador Diego Castor lembrou que o tema já foi discutido quatro vezes pelo plenário do Supremo nos últimos dois anos, por isso, pelo seu entendimento, não havia razão para a decisão na véspera do recesso forense.

— O ministro deferiu liminar sem que houvesse fato novo (a justificar decisão) —criticou.

Pelo Twitter, a procuradora Thaméa Danelon, coordenador da força-tarefa Lava Jato em São Paulo, também atacou a decisão e escreveu: “Decisões monocráticas sem fundamentos jurídicos ou lógicos, por parte de alguns ministros, sinalizam que o STF não está comprometido com o combate à corrupção e à impunidade”.

Integrantes da Câmara Criminal do MPF, em Brasília, divulgaram ainda uma nota de repúdio: “Essa decisão monocrática contribui para a insegurança jurídica e aumento da impunidade. Além do mais, pode significar a soltura de inúmeras pessoas com condenações por crimes gravíssimos como homicídio, latrocínio, estupros, pornografia infantil, participação em milícias, organizações e facções criminosas, corrupção, desvio de recursos públicos e fraudes a licitação, que prejudicam a real implementação de políticas públicas como as de saúde, educação e segurança pública”, escreveram os procuradores.

Integrante da Lava-Jato em Curitiba até setembro deste ano, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima escreveu nas redes sociais que Marco Aurélio dava um presente de Natal para Lula. “Só que às custas da crença da população na Justiça”, completou.

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Brasil tem 169 presos sem condenação definitiva

20/12/2018

 

 

Grupo representa um quarto da população carcerária; decisão de ministro poderia beneficiar pelo menos 21 réus da Lava-Jato

A decisão do ministro Marco Aurélio de Mello poderia ter algum impacto sobre 169 mil presos sem condenação definitiva, que cumprem a chamada execução provisória da pena, segundo dados recentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O número representa cerca de 1/4 da população carcerária atual, que contabiliza 706 mil pessoas atualmente atrás das grades. Não é possível, contudo, afirmar que todos poderiam sair da cadeia, já que uma parcela deste grupo também está fora das ruas em razão de prisões provisórias, como as preventivas.

Em seu despacho, Marco Aurélio destacou que não seriam beneficiados condenados em segunda instância considerados perigosos ou se preciso manter a detenção para assegurar a ordem pública ou as investigações.

Na Lava-Jato, a decisão teria o poder de tirar da cadeia figuras que tomaram conta do noticiário nos últimos quatro anos. Além do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos 21 dos 35 presos na operação poderiam ser libertados com a decisão liminar.

Todos já tiveram a pena confirmada em segunda instância e cumprem pena provisoriamente, uma vez que suas condenações foram confirmadas pelo Tribunal Regional Federal.

Entre os presos que poderiam ser beneficiados estão os empresários Gerson Almada, ex-diretor da Engevix; Sérgio Cunha Mendes, da Mendes Junior; e Ronan Maria Pinto, dono do Diário do Grande ABC.

Dois políticos envolvidos no escândalo de corrupção revelado pela Lava-Jato também poderão sair da cadeia mais cedo. Um deles é o ex-senador Gim Argello, preso em Curitiba desde 2016 por ter recebido valores das empreiteiras para que não fossem convocadas adar explicações na C PM Ida Petrobras. O outro é o ex-deputado federal João Luiz Correia Argôlo dos Santos, condenado a mais de 11 anos de prisão e que cumpre pena na Bahia.

Também tiveram execução da pena determinada a partir da decisão em segunda instância os ex-tesoureiros do PT Delúbio Soares e João Vaccari Neto, acusado de arrecadar propina para abastecer caixas de campanha para o PT. E ainda: Luis Eduardo de Oliveira e Silva, irmão do ex-ministro José Dirceu, e Júlio Cesar dos Santos, ex-sócio de José Dirceu .

Vaccari e Delúbio estão presos em Curitiba. Luís Eduardo e Júlio Cesar cumprem pena em Tremembé, no interior de São Paulo.

Eduardo Cunha

Entre os condenados em segunda instância só estão excluídos do benefício os que têm ainda vigentes mandados de prisão preventiva, como é o caso do ex-deputado Eduardo Cunha.

O ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o empreiteiro Sergio Cunha Mendes, da Mendes Júnior, são alguns dos alvos da operação Lava-Jato que entraram ontem com pedidos de liberdade junto à Justiça Federal baseados na decisão de Marco Aurélio Melo .

Duque está preso há mais de três anos em Curitiba e Cunha Mendes foi detido em agosto deste ano para cumprir a pena em segunda instância.