O globo, n. 31180, 19/12/2018. Economia, p. 15
Funcionalismo
Daiane Costa
19/12/2018
Número de servidores sobe 82% em 20 anos, e país já gasta 10,7% do PIB com salários
Em pouco mais de duas décadas, entre 1995 e 2016, o número de servidores públicos ativos nas três esferas administrativas (federal, estadual e municipal) cresceu 82,4%, passando de 6,26 milhões para 11,5 milhões. A conta inclui militares e exclui servidores de empresas públicas. Nesse mesmo período, a expansão da população brasileira foi de 30%.
O aumento do contingente de servidores levou o gasto anual com o funcionalismo a ultrapassar os 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Em 2017, o pagamento desses salários consumiu R$ 725 bilhões, uma alta de 48% em dez anos, chegando a 10,7% do PIB.
Os dados fazem parte do “Atlas do Estado brasileiro: uma análise multidimensional da burocracia pública brasileira em duas décadas”, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo é o primeiro retrato já feito do funcionalismo público que engloba as três esferas.
Quando considerados os servidores de estatais e outras empresas públicas, o número de servidores passou de 7,5 milhões, em 1995, para 12 milhões, em 2016, uma alta de 60%.
A expansão do funcionalismo público no período analisado foi concentrada na esfera municipal, que emprega quase 60% do total de servidores. Nos municípios, o número de funcionários na ativa, entre 1995 e 2016, cresceu 175%,
para 6,5 milhões. Já nas esferas estadual e federal, a alta não chegou a 30%. Ficou em 28%, para 3,7 milhões, no caso dos estados, e em 25%, para 1,2 milhão, na esfera federal.
O estudo mostra ainda que a maior parte desses servidores, em relação a estados e municípios, estão empregados nas áreas da educação, saúde e segurança. Nos municípios, em 2016, 40% dos funcionários públicos eram professores, médicos e enfermeiros. No estado, esse grupo, incluindo os policiais, representa 60% do total do funcionalismo.
— Quando se olha o perfil do funcionalismo, parte expressiva atua com políticas fundamentais, cujo escopo nenhum cidadão ou gestor quer que seja reduzido, como saúde e educação —comenta o sociólogo e pesquisador do Ipea Felix Lopez, um dos coordenadores do estudo.
Lopez explica que o levantamento não mede a eficiência do serviço público. E ressalta que os cargos comissionados, que geralmente estão no centro das discussões, representam apenas 1% dos servidores na esfera federal, que paga os maiores salários.
Para Sergio Lazzarini, especialista em Administração e professor de Estratégia do Insper, a efetividade do gasto com servidores é muito baixa:
— Melhoraram os salários, há mais gente empregada, mas, olhando para outros indicadores, vemos que os serviços públicos não evoluíram. O desempenho da educação é ruim, a sensação de insegurança aumentou, e a saúde e os transportes públicos continuam deixando a desejar. E toda hora o funcionalismo pede reajuste salarial.
De 2007 a 2016, a remuneração média dos servidores federais passou de R$ 6,5 mil para R$ 8,1 mil; a remuneração dos servidores estaduais, de R$ 3,5 mil para R$ 5 mil; e a remuneração dos servidores municipais passou de R$ 2 mil para R$ 3 mil. Em média, os salários do funcionalismo público tiveram crescimento real (descontado a inflação) de 34% nesse período.
A massa salarial do funcionalismo brasileiro é alta para padrões internacionais, segundo relatório do Banco Mundial divulgado no fim do ano passado. De acordo com a metodologia do banco, chegou a 13,1% do PIB em 2015, superando até Portugal e França, que registravam massas salariais mais altas que o Brasil uma década antes. Outros países desenvolvidos, tais como Austrália e EUA, possuem massas salariais consideravelmente menores (cerca de 9% do PIB), ao passo que o Chile, uma nação latino-americana de renda média, gastou somente 6,4% do PIB com salários do funcionalismo em 2015. Mas o gasto superior do Brasil, segundo o Banco Mundial, não se deve a um inchaço ou excedente de funcionários a serviço da população, mas à remuneração acima da média dos servidores, principalmente dos funcionários do serviço público federal.
A partir do levantamento, o Ipea colocou no ar uma plataforma, onde é possível consultar, por nível federativo e pelos três poderes, informações como total de vínculos de emprego no setor público, evolução anual da remuneração mensal média, comparações entre civis e militares, diferenças de remuneração por gênero e nível de escolaridade dos servidores, entre outros dados.
Flávia de Holanda Schmidt, diretora adjunta de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea, explica que os impactos do tamanho do funcionalismo na ativa não podem ser medidos apenas a partir de gastos com folha e Previdência, mas devem levar em conta também a provisão de serviços públicos ao cidadão:
—Quando olhamos para as carreiras e ocupações mais comuns dentro do funcionalismo, vemos que são em áreas que justificam a existência do serviço público.
Fernando Nogueira da Costa, economista e professor da Unicamp, defende que a melhora dos serviços públicos passa pela valorização salarial dos servidores:
— Quanto mais contratar profissionais qualificados, melhores serão esses serviços públicos. A pior política pública é aquela proposta de só cortar gastos públicos sem atentar para a qualidade do serviço prestado à população contribuinte.
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Criação de novos municípios pressionou gastos
19/12/2018
Despesas com saúde e educação pesam em estados e cidades. Para especialista, é preciso cobrar produtividade dos servidores
Há duas explicações para o aumento no número dos servidores e para as despesas com esses salários terem sido maiores na esfera municipal. Primeiro, os estados e municípios detêm a responsabilidade primária por serviços de saúde, educação e segurança pública, funções que demandam mão de obra intensiva. Segundo, entre 1995 e 2016, período analisado pelo estudo, foram criados 596 novos municípios no país, de acordo com o IBGE.
Para o especialista em Administração do Insper Sérgio Lazzarini, melhorar a efetividade do gasto com o funcionalismo passa por cobrar maior produtividade e eficiência dos servidores públicos:
—Não existe fórmula mágica. Em alguns casos, pode-se pensar em privatizar o serviço. Mas a primeira coisa a ser feita é identificar o que o pessoal está entregando. Os servidores públicos não estão imunes. O artigo 41 da Constituição prevê a necessidade de acompanhar seu desempenho e a possibilidade de desligamento se não houver melhora da produtividade, por mais que haja pressão do setor público para que isso não ocorra.
A pesquisa do Ipea também constatou que os salários do Judiciário são os maiores entre os três poderes. E os vencimentos dos servidores federais são os mais altos entre as três esferas públicas. Os funcionários do Executivo federal receberam, em média, 50% das remunerações do Judiciário federal entre 2007 e 2016: R$ 8 mil contra R$ 16 mil, respectivamente.
Seguindo a tendência do mercado de trabalho nacional, aumentou a escolaridade dos servidores públicos em todos os níveis da administração. Entre 1995 e 2016, o percentual dos servidores federais com nível superior completo ou diversas modalidades de pós-graduação subiu de 45% para 78%. Já entre servidores estaduais, passou de 28% para 60% e, entre os municipais, de 19% para 38%.