O globo, n. 31180, 19/12/2018. Sociedade, p. 23

 

João de Deus tem liberdade negada

Helena Borges

Patrik Camporez

19/12/2018

 

 

Policiais fazem buscas no centro espiritual em Abadiânia

O Tribunal de Justiça de Goiás negou, ontem, o pedido de liberdade feito pela defesa de João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus. Os advogados do médium pediam que o tribunal suspendesse sua prisão preventiva ou imputasse medidas cautelares, como prisão domiciliar, uso de tornozeleira eletrônica e proibição de exercer o ofício.

A requisição foi indeferida pelo desembargador Jairo Ferreira Júnior. A assessoria do TJ-GO não deu detalhes da decisão, pois o caso corre em segredo de justiça.

O advogado de João, Alberto Toron, afirmou que apenas uma liminar foi negada e que o mérito do pedido ainda será analisado após o recesso do Judiciário. “Discordamos da decisão e vamos recorrer ao STJ”, informou, em nota.

João se entregou à polícia numa estrada de terra na zona rural de Abadiânia, no último domingo, e está preso no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, a 30 quilômetros da capital.

Equipes da Polícia Civil de Goiás também realizaram ontem uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão ordenados pela Justiça. Depois de passar cerca de duas horas na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, onde os investigadores acreditam que o médium abusou sexualmente de centenas de mulheres, a equipe de policiais civis deixou o “hospital espiritual” e vasculhou a residência de João, no centro da cidade. A Justiça autorizou as buscas em mais de 20 endereços ligados ao líder espiritual.

Na Casa de Dom Inácio, os investigadores e peritos fotografaram todos os espaços do imóvel. O principal objetivo era verificar o local onde as vítimas contam terem sofrido os abusos.

Porta de ferro

Segundo o Jornal Nacional, a Polícia Civil usou um equipamento chamado luz forense em um dos cômodos da Casa. Com ele é possível enxergar vestígios de esperma, pelos e sangue. A corporação não confirmou o que foi detectado com esse exame. Foram feitas imagens para que a descrição dada em cada um dos depoimentos colhidos seja verificada.

Todas as seis mulheres ouvidas inicialmente pelo GLOBO, bem como as que entraram em contato com o jornal após a publicação das primeiras denúncias de abuso sexual, descreveram o mesmo cômodo como o local do crime: uma pequena sala aos fundos da casa, onde o médium realizava as cirurgias espirituais. Esse local era apontado a elas como “o escritório” de João.

Uma porta de correr, de ferro, pintada de azul, seria a entrada externa para esse espaço. Uma das mulheres que afirma ter sofrido abuso sexual confirmou a informação ao GLOBO, a partir de uma imagem do local.

As vítimas contam que aguardavam do lado de fora, ao pé da rampa, antes ou após as sessões, em uma fila formada exclusivamente por mulheres. Todas relatam terem sido colocadas no último lugar dessa mesma fila.

A porta dá acesso ao jardim dos fundos da Casa, um espaço pouco frequentado pelos visitantes, onde há uma gruta de pedras.

Do lado de dentro, ainda segundo as vítimas, a sala ainda tem uma porta de vidro, com uma cortina de pano. Esta dá acesso a um salão onde João realiza as “cirurgias espirituais”.

— Só havia uma porta de vidro com uma cortina entre onde estávamos e a sala (de cirurgias), onde muitas pessoas o esperavam — conta uma das mulheres, sob sigilo. — Saindo dali (após o abuso) ele me levou para a sala de cirurgias, levantou minha mão na frente de todos e disse: “Vocês estão operados”.

Em depoimento, o médium afirmou que “nunca trancou a porta para atendimentos”. Muitas vezes, segundo ele, era o atendido quem a trancava. As vítimas que deram relatos ao GLOBO contam que João mandava que trancassem a porta.

A sala também tem um sofá —onde, em muitos relatos, João se sentava para dar início aos abusos, ordenando que as mulheres massageassem sua barriga — e um banheiro. De acordo com a holandesa Zahira Lieneke, foi nesse espaço que ela foi estuprada. Após seu relato, outras vítimas denunciaram às autoridades que também sofreram penetração.

Foco nas finanças

A inspeção policial de ontem foi acompanhada pelo administrador do centro espiritual, Chico Lobo, braço direito de João. Por telefone, ele disse ao GLOBO que as buscas teriam foco nas finanças do médium.

Desde que surgiram as primeiras denúncias sobre abusos cometidos pelo médium, há quase duas semanas, a polícia e o Ministério Público de Goiás se esforçam para levantar dados sobre sua vida financeira. Segundo um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ele teria movimentado R$ 35 milhões após a divulgação dos relatos.

Em depoimento prestado à polícia no domingo, pouco antes de ser levado ao presídio, João não soube dizer quantos carros e casas tem. Revelou, contudo, ter rendimento mensal de R$ 60 mil apenas com suas fazendas, sem contar os rendimentos ligados ao hospital espiritual.