Título: Alternância de poder reforçou democracia
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 06/07/2012, Economia, p. 13

Com o Brasil recém-saído do trauma de um impeachment presidencial — Fernando Collor de Melo foi afastado do poder em dezembro de 1992 — e mergulhado em uma hiperinflação que beirava os 50% ao mês, o Plano Real, editado em 1º de julho de 1994, ofereceu aos brasileiros a estabilidade para planejar o futuro. E, melhor, satisfazer necessidades básicas por tantos anos relegadas. Com as transformações econômicas dos últimos 18 anos, vieram mudanças políticas das quais emergiram dois polos de poder representados pelo PSDB, de um lado, e o PT, de outro. Mais que isso, o país consolidou a democracia e se convenceu de que a alternância de poder não representaria rupturas no bem mais precioso da sociedade: o controle de preços.

Foi no governo do PSDB, com Fernando Henrique à frente, que Brasil construiu o tripé metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. A partir de 2003, em meio a uma destrutiva onda de desconfiança, não só essas conquistas foram reforçadas pela administração petista de Luiz Inácio Lula da Silva, como, finalmente, o país pode pôr em prática políticas sociais que permitiram a mais de 40 milhões de pessoas engrossarem a classe média. "Tudo isso foi possível, porque o Brasil passou a ter uma moeda forte", resume o deputado federal Roberto Freire (PPS-PE), que foi líder na Câmara ao longo do governo Itamar Franco, quando o real foi gestado e colocado nas ruas. "Antes de 1994, quando uma moeda caía no chão, ninguém corria atrás dela para pegar, porque não valia nada. A corrida era para chegar ao supermercado antes das maquininhas de reajuste", recorda.

O impacto da estabilidade trazida pela real foi tão grande, na opinião de Freire, que a maioria esmagadora dos governadores eleitos em 1994 evitaram demonizar o plano. O único que não o defendeu abertamente foi Miguel Arraes (PSB), eleito para comandar Pernambuco. "Até mesmos os petistas o apoiaram, como Jorge Viana (Acre), Cristovam Buarque (Distrito Federal) e Victor Buaiz (Espírito Santo). O secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira, defende Arraes. "Ele não fez oposição por oposição ao Plano Real. Apontava, sim, os pontos que considerava falho e que foram sendo aperfeiçoados com o passar dos anos", destaca.

Clientelismo O senador Delcídio Amaral (PT-MS), que, durante o governo Itamar Franco, foi ministro de ministro de Minas e Energia, é taxativo: "O Plano Real não corrigiu apenas o nosso rumo econômico. Também nos deu um rumo político e social", diz. Mas, para o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), é preciso avançar mais no campo político, com uma reforma que acabe com o apadrinhamento e as chantagens do Congresso por cargos e emendas ao Orçamento da União. "Precisamos de um real político", sugere.

O problema é que nem o governo nem o Congresso se empenham, de verdade, para promover alterações profundas na estrutura política. Resultado: além de manter o clientelismo, esse quadro de passividade impede o andamento de projetos importantes para a consolidação do crescimento econômico sem inflação. "Não à toa, a percepção da sociedade em relação ao sistema político é cada vez pior", acrescenta Guerra. A distorção é tamanha, que o governo passou a legislar por meio de medidas provisórias, uma intromissão no Poder Legislativo inconcebível em um país que conseguiu domar a inflação, ostenta o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, está próximo do pleno emprego e reduziu, de forma espantosa, a miséria e a desigualdade social.

» Ministério da Fazenda

Foi Roberto Freire, durante uma reunião de emergência no Palácio do Planalto convocada pelo então presidente Itamar Franco, que sugeriu o nome de Fernando Henrique, então ministro das Relações Exteriores, para o comando da pasta da Fazenda, em substituição a Elizeu Rezende, defenestrado do cargo. "Mas ele (FHC) está em Nova York, ele adora essas coisas de relações exteriores. Será que ele aceita?", indagou Itamar. Aceitou. "E FHC teve o mérito de unir-se a um grupo de craques na economia, brilhantes e competentes", elogia Freire.