O globo, n. 31178, 17/12/2018. País, p. 5

 

Bolsonaro desautoriza filho e nega pena de morte

Vinicius Sassine

Juliana Dal Piva

17/12/2018

 

 

Eduardo disse que execução poderia ser aplicada a traficantes de drogas e autores de crimes hediondos. Presidente eleito diz que assunto ‘não está no nosso plano’. ‘Enquanto eu for presidente, de minha parte, não teremos essa agenda’

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), desautorizou o seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e afirmou que a pena de morte não fará parte da agenda de seu governo. O posicionamento foi em resposta à entrevista do filho ao GLOBO, publicada ontem. A reportagem revelou, com base em telegramas diplomáticos do Itamaraty, que Eduardo tentou visitar o complexo prisional na Indonésia onde dois brasileiros condenados por tráfico de drogas foram fuzilados em 2015.

Os documentos mostram também que, ao visitar outro presídio no país, ele manifestou concordância com o sistema penal que inclui a pena de morte para traficantes.

—A pena de morte não está no nosso plano, não está em nosso programa, não foi debatida durante a campanha e, enquanto eu for presidente, de minha parte, não teremos essa agenda —afirmou o presidente eleito ontem, durante caminhada na orla na Barra da Tijuca, enquanto tomava uma água de coco.

Mais cedo, Jair Bolsonaro já havia desautorizado o filho pelo Twitter: “Em destaque no jornal, O Globo de hoje informou que, em meu governo, o assunto pena de morte será motivo de debate. Além de tratar-se de cláusula pétrea da Constituição, não fez parte da minha campanha. Assunto encerrado antes que tornem isso um dos escarcéus propositais diários.” Em relação às declarações do filho, Bolsonaro disse que “não é sua intenção”:

— Ele (Eduardo) foi à Indonésia ver como diminuiu a violência lá e foi implementada a pena de morte lá, mas não é nossa intenção até porque sabemos que está em cláusula pétrea.

Em entrevista na terça-feira para comentar o conteúdo dos telegramas, Eduardo defendeu a possibilidade de pena de morte para traficantes e autores de crime hediondos, com discussões a respeito do assunto já a partir do primeiro ano de governo e chance de plebiscito para fechar a questão.

Já o futuro ministro da Justiça, o ex-juiz federal Sergio Moro, disse ao GLOBO que ainda discute o projeto que trata do endurecimento de penas para determinados crimes e que a posição do novo governo sobre pena de morte já foi expressada por Bolsonaro. Questionado sobre as declarações de Eduardo — o deputado mais votado da história, com 1,8 milhão de votos, e provável líder do PSL na Câmara quando começar o governo do pai —, Moro manifestou concordância com o que escreveu o presidente eleito:

— O próprio presidente já falou, já colocou no Twitter. Então não tem muito o que comentar.

Como titular do Ministério da Justiça, Moro obrigatoriamente terá que lidar com discussões sobre execução penal e combate ao crime. Em novembro, ele deu detalhes sobre um projeto de lei que pretende propor assim que assumir o cargo, focado no combate a corrupção, crime organizado e crimes violentos. Presos vinculados a organizações criminosas não contariam com progressão de pena, e as regras para prescrição de crimes seriam alteradas.

Luiza Frischeisen, subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Criminal que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR), ressalta que um plebiscito não pode ser convocado para alterar uma cláusula pétrea da Constituição. Ela diz que o discurso em defesa da pena de morte não “enfrenta” o tema sobre as políticas públicas necessárias para garantir a investigação e a diminuição dos 64 mil homicídios anuais no país:

—Sou contra a pena de morte porque o Estado não pode se equiparar à violência, aos crimes comuns. Somos um país com 64 mil mortes, várias delas cometidas por forças policiais. Além disso, a pena de morte é um processo supercustoso, como se vê nos Estados Unidos, com várias apelações. E, caso se cometa um erro na execução, não tem volta.

Luiza diz que um caminho é a busca pela diminuição de benefícios na execução da pena para casos como estupro, homicídio e latrocínio:

—Que as penas sejam cumpridas integralmente.