O globo, n. 31178, 17/12/2018. Mundo, p. 15

 

Desconvite para a posse

17/12/2018

 

 

Bolsonaro volta atrás e veta Venezuela e Cuba

Confirmando o posicionamento adiantado pelo futuro chanceler Ernesto Araújo via Twitter, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou na tarde de ontem, durante uma caminhada na orla da Barra da Tijuca, que não convidou para a cerimônia de sua posse, em 1º de janeiro, os dirigentes Nicolás Maduro, da Venezuela, e Miguel Díaz-Canel, de Cuba.

— Ele (Maduro) não recebeu (convite) e nem vai receber. Nem ele, nem o ditador que substituiu Raúl Castro —afirmou Bolsonaro.

A declaração corroborou o que já tinha dito Araújo ontem em um tuíte. De acordo com o futuro chanceler, “não há lugar para Maduro numa celebração da democracia e do triunfo da vontade popular brasileira”.

“Em respeito ao povo venezuelano, não convidamos Nicolás Maduro para a posse do PR Bolsonaro. (...) Todos os países do mundo devem deixar de apoiá-lo e unir-se para libertar a Venezuela”, escreveu ele. A decisão do futuro ministro das Relações Exteriores contraria o protocolo do Itamaraty, segundo o qual todos os líderes da América do Sul costumam ser convidados para as posses dos presidentes brasileiros.

Pelo Twitter, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, contestou Bolsonaro e disse que Maduro foi convidado: “Aqui podem ler as duas notas diplomáticas oficiais enviadas pelas autoridades brasileiras convidando o governo venezuelano (...)”, disse ele, anexando imagens de dois documentos, um deles datado de 29 de novembro.

Segundo fonte do Itamaraty, a orientação inicial da equipe de Bolsonaro foi convidar os chefes de Estado e governo de todos os países com os quais o Brasil tem relações diplomáticas, o que foi feito. Só depois o Ministério das Relações Exteriores recebeu orientação de excluir Cuba e Venezuela da lista, o que o obrigou a fazer uma segunda comunicação aos dois governos, fazendo o "desconvite".

Conforme informou a revista “Época” no último sábado, a decisão de não convidar Maduro partiu do próprio Ernesto Araújo —e não do presidente eleito —e foi o que motivou a demissão de Paulo Uchôa Ribeiro Filho, diplomata que estava à frente do cerimonial da posse de Bolsonaro.

Uchôa Ribeiro Filho discordava de Araújo, que queria deixar de fora tanto o representante da Venezuela quanto o de Cuba. Por não conseguir persuadir o futuro chanceler, o diplomata procurou o próprio Bolsonaro. Na conversa, conseguiu convencê-lo da importância de fazer o convite aos dois países.

Ernesto Araújo sentiu-se traído pelo subordinado e imediatamente pediu que o presidente eleito o demitisse, relatou a“Época ”. O diplomata foi mandado embora a três semanas da cerimônia de posse.

O veto não é extensivo a outros países com governos autoritários. Somente Venezuela e Cuba teriam ficado de fora da lista de convites elaborada pelo futuro chanceler, como mostrou Lauro Jardim em sua coluna ontem. Outros regimes autoritários, como Arábia Saudita, Coreia do Norte, Irã e Turquia, não foram vetados.

Aliança com oposição

Em entrevista ao GLOBO, publicada na última quinta-feira, o presidente do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano no exílio, Miguel Ángel Martín, contou que conversou via Skype com Jair Bolsonaro e disse que o presidente eleito se comprometeu a reconhecera legitimidade do tribunal e respaldar suas decisões a partir de janeiro.

Segundo o presidente do TSJ —que Maduro não reconhece, ao contrário de vários governos da América Latina, entre eles os da Colômbia e da Argentina —, existe grande expectativa entre os opositores venezuelanos coma mudança de governo no Brasil.

Martín recebeu convite para palestrar, há pouco mais de uma semana, na Primeira Cúpula Conservadora das Américas, em Foz de Iguaçu. Ele contou que, após a palestra, teve uma reunião com o deputado Eduardo Bolsonaro, organizador do evento e filho do presidente eleito. Pouco depois, teve uma videoconferência com o futuro presidente. Desde a eleição, a equipe do presidente sugere o isolamento de Venezuela e Cuba.

Sob política do atual chanceler, Aloysio Nunes, o Brasil tem condenado na ONU e na Organização dos Estados Americanos (OEA) a violação de direitos humanos na Venezuela, mas se recusou a adotar sanções unilaterais contra Caracas ou a apoiar o pedido para que Maduro seja investigado por crimes contra a humanidade. A ideia é que uma investigação dificultaria a redemocratização da Venezuela.