O globo, n. 31177, 16/12/2018. Artigos, p. 2

 

O caminho das reformas

Merval Pereira

16/12/2018

 

 

É quase certo que o Supremo Tribunal Federal (STF) seja aciona dopara impedira reformada Previdência, com argumentos já utilizados para questionar reformas anteriores: afronta a direitos adquiridos, configuração de confisco, violação de ato jurídico perfeito e desconsideração de expectativas legítimas dos contribuintes dos sistemas. Segundo o constitucionalista Gustavo B in enbojm, a jurisprudência do Supremo tem sido de que apenas os aposentados, ou os que já tenham preenchido os requisitos para a aposentadoria, têm direito adquirido.

A ampliação de tempo de contribuição e a imposição de idade mínima podem, portanto, alcançar todos os que ainda não tenham preenchido os requisitos do regime atualmente em vigor. A majoração de alíquotas de contribuições tende a ser admitida, pois o Supremo já decidiu que ninguém tem direito adquirido anão ser tributado no futuro, inclusive os inativos. Quanto às privatizações, Binenbojm lembra que a jurisprudência do STF se limita a controlar aspectos formais da venda do controle acionário de empresas estatais. A reforma tributária também deve ser feita por emenda constitucional, e o desafio será superara alegação de afronta ao pacto federativo e a garantias dos contribuintes, que o Supremo já entendeu serem também cláusulas pétreas. O governo, segundo o constitucionalista, deverá ter êxito se o Supremo adotar uma concepção minimalista em relação às cláusulas pétreas, por exemplo, admitindo um novo arranjo tributário para a Federação —se for criado um IVA que junte o IPI, o ICMS e outras contribuições —, desde que a reforma não esvazie a autonomia de estados, municípios e Distrito Federal. Noques e refere às garantias dos contribuintes, Gustavo Binenbojm lembra que apenas um aveza Corte pronunciou a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, na criação do IPMF, que não respeitava o princípio da anterioridade tributária. Na reforma orçamentária, parece ser intenção do novo governo conceder maior liberdade ao Congresso Nacional na elaboração do orçamento anual.

A proposta do então candidato Bolsonaro falava em “orçamento de base zero”, que seria a possibilidade de total liberdade de alocação de receitas na lei orçamentária acada ano. Não há, segundo B in enbojm, emne nhum país civilizado, nem mesmo nos de desenvolvimento semelhante ao do Brasil, esse tipo de amarras na Constituição. Como a maioria dessas normas é proveniente de emendas constitucionais, não haverá problemas, avalia Binenbojm, em se aprovar uma PEC para desamarrar o orçamento e permitir que o governo e o Congresso legislem mais democraticamente sobre como as receitas públicas devam ser alocadas, sempre observando o teto geral de gastos, também previsto na Constituição.

A maior mobilidade na alocação dos recursos é condição prioritária para que esse objetivo seja alcançado. Caso o Supremo seja provocado, a tendência é no sentido da aprovação da medida. Em matéria de direitos e garantias individuais, os desafios devem surgir quanto à alteração da maioridade penal, por exemplo. Segundo Binenbojm, não parece ofender nenhuma cláusula pétrea a alteração da idade de 18 para 17 anos, que não chega a configurar uma medida “tendente a abolir” direito ou garantia individual. 

O mais correto, na opinião do constitucionalista, seria, como sugeriu o futuro ministro Sérgio Moro, que a redução da maioridade penal alcance apenas crimes graves, como homicídio e latrocínio, por exemplo, em que a consciência da ilicitude pode facilmente ser presumida em jovens de 16 ou 17 anos.

Gravidade
Se analisado em suas diversas facetas, o caso do motorista de Flavio Bolsonaro é mais grave do que o provável desvio de parte do salário dos seus funcionários.

O STF proíbe a contratação de parente de servidor comissionado. No caso, há o motorista, a esposa dele, as duas filhas, o ex-marido da esposa e a filha dele. Muitos sem prestarem qualquer serviço.

E se completa com a indisfarçável cumplicidade do futuro presidente, ao contratar uma das filhas, exonerada ao mesmo tempo que o motorista, quando o escândalo veio à tona, numa provável tentativa de encobrimento.