O globo, n. 31176, 15/12/2018. País, p. 4

 

A caminho da Itália

Karla Gamba

André de Souza

Bela Megale

15/12/2018

 

 

Um dia depois de o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux decretar a prisão do italiano Cesare Battisti, o presidente Michel Temer publicou ontem, em edição extra do Diário Oficial, decreto de extradição do estrangeiro condenado pelo assassinato de quatro pessoas em seu país. Procurado em seus endereços, o ex-ativista não foi localizado e a Polícia Federal passou a considerá-lo foragido da Justiça.

Segundo integrantes da PF, após a ordem do Supremo, Battisti foi procurado na casa onde vivia em Cananéia, no litoral sul de São Paulo, e também em endereços ligados a ele na capital paulista. Os policiais investigam outros possíveis paradeiros do italiano.

A defesa de Battisti recorreu da decisão do STF. Os advogados pedem que Fux reconsidere a decisão ou, ao menos, leve o recurso para julgamento no plenário da Corte ainda neste ano. A última sessão do Supremo, antes do recesso, será na próxima quarta-feira.

Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1987 por ter participado, no fim dos anos 1970, de quatro homicídios atribuídos ao grupo italiano de esquerda “Proletários Armados pelo Comunismo”, considerado praticante de atos terroristas pelo governo da Itália. Integrante do grupo, Battisti chegou a ficar dois anos preso na Itália, mas fugiu da cadeia em 1981.

O advogado Igor Yamasaki Tamasauskas afirmou que tentava contato com seu cliente desde anteontem à noite, sem sucesso.

— Falo com ele em ocasiões pontuais. Desde ontem (anteontem) não consegui fazer contato com Battisti por telefone —disse.

Segundo o Jornal Nacional, a polícia italiana já estava em São Paulo ontem para levá-lo de volta.

Apoio de Bolsonaro

Antes da assinatura do decreto de extradição por Temer, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse ao ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, por meio do Twitter, que podia contar com ele.

Salvini havia pedido, também pela rede social, apoio do próximo presidente para a prisão e extradição de Battisti. “Um condenado à prisão perpétua que aproveita a vida nas praias do Brasil, em face das vítimas, me deixa louco! Farei grande mérito ao presidente @jairbolsonaro se ele ajudar a Itália a ter justiça, ‘dando’ a Battisti um futuro na terra natal”, escreveu Salvini, em tradução livre.

Bolsonaro respondeu: “Obrigado pela consideração de sempre, Senhor Ministro do Interior da Itália. Que tudo seja normalizado brevemente no caso deste terrorista assassino defendido pelos companheiros de ideais brasileiros! Conte conosco!”.

Em outubro do ano passado, Battisti foi preso em Corumbá (MS) tentando viajar para a Bolívia, supostamente para evitar eventual extradição. Segundo a Justiça Federal, havia indícios “robustos” da prática dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dois dias depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região determinou a libertação de Battisti. Mas impôs a ele a obrigação de comparecer mensalmente à Justiça para comprovar residência e justificar atividades.

Considerado terrorista pela justiça italiana, Battisti vive no Brasil em liberdade desde 2010. Naquele ano, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou a extradição do ex-ativista no seu último dia de mandato.

Após a posse de Temer como presidente da República, o governo da Itália reapresentou pedido de extradição. O governo brasileiro chegou a montar um plano para prender e devolver Battisti a seu país de origem. Uma decisão judicial do ministro Fux impediu, no entanto, que o italino fosse extraditado. Agora, Fux revogou a liminar e entendeu que caberia ao presidente decidir sobre o destino de Battisti.

No início da noite de ontem, a defesa do italiano recorreu contra a decisão de Fux. Assim como já havia feito em ocasiões anteriores, a defesa destacou que uma decisão administrativa — caso da autorização de Lula dada em 2010 para que Battisti permanecesse no Brasil — não pode ser revista após cinco anos. Assim, independentemente do desejo de Temer ou de Bolsonaro, nenhum deles poderia extraditar o italiano.

Os advogados também voltaram a dizer que Battisti tem um filho de cinco anos nascido no Brasil que depende dele afetiva e economicamente. No mês passado, em outro julgamento, sete dos 11 ministros do STF declararam que um estrangeiro não pode ser expulso do país se tiver um filho brasileiro, seja ele concebido antes ou depois do crime que ensejou o processo de expulsão. Mesmo com a maioria formada, um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes interrompeu o julgamento.

Há no STF ministros que consideram que o entendimento pode ser aplicado a Battisti, enquanto outros acham que o caso não influencia diretamente no destino do italiano. Para estes últimos, o presidente da República tem total liberdade para extraditar ou expulsar um estrangeiro. Ainda mais que o governo brasileiro nunca concedeu asilo a ele.

A defesa de Battisti também afirmou que já houve prescrição na pretensão do governo de seu país em executar a pena a que ele foi condenado. Alegou ainda que ele não é processado por lavagem de dinheiro, mas apenas por tentativa de evasão de divisas, “sem qualquer condenação nem mesmo em primeira instância, devendo ser considerado o princípio da presunção de inocência”.

Entenda o caso

> De que crimes ele é acusado na Itália?

Battisti foi condenado à prisão perpétua em 1987 por ter participado, nos anos 1970, de quatro homicídios atribuídos ao grupo de esquerda “Proletários Armados pelo Comunismo”. O italiano chegou a ficar dois anos preso na Itália, mas fugiu da cadeia em 1981. Os advogados do ex-ativista alegam que o julgamento teve motivações políticas.

> Desde quando Battisti vive no Brasil?

Ele chegou em 2004, depois de passar por México e França. Em 1990, o então presidente francês François Mitterrand acolheu ex-ativistas italianos desde que eles abandonassem a luta armada. Battisti ficou na Europa até sua condição de refugiado na França ser revogada. Em 2007, ele foi preso com documentos falsos no Rio e enviado para o Presídio da Papuda, em Brasília, onde ficou até 2011.

> Por que ele ainda não foi extraditado?

A extradição é uma decisão política. Em 2009, o Conselho Nacional de Refugiados (Conare) negou um pedido de refúgio do italiano. Mesmo assim, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu o status de refugiado a Battisti, alegando “fundado temor de perseguição por opinião política”. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o governo brasileiro poderia enviar o exativista de volta à Itália, desde que o presidente da República concordasse. No último dia de seu mandato, o então presidente Lula assinou um parecer que manteve Battisti no Brasil.

> Battisti cometeu algum crime no Brasil?

Ele é investigado por evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Em outubro de 2017, Battisti foi preso em Corumbá (MS) tentando entrar na Bolívia com 5 mil dólares e 2 mil euros. A polícia suspeitou que ele estava tentando fugir para evitar sua extradição. Dois dias depois, ele foi solto.

> O STF pode rever o pedido de prisão?

Sim. A defesa de Battisti entrou com um recurso pedindo que o plenário analise a decisão tomada pelo ministro Luiz Fux. É pouco provável que o julgamento ocorra este ano, já que o STF entra em recesso na próxima quinta-feira.

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Ex-ativista não é visto há mais de um mês por vizinhos

Dimitrius Dantas

15/12/2018

 

 

O carro na garagem e o medidor de eletricidade indicando gasto de energia são sinais de que o morador da casa simples e recém reformada, no litoral paulista de Cananéia, frequentou o endereço nas últimas semanas. Apesar disso, o italiano Cesare Battisti não tem sido visto na pequena cidade. A última vez que o ex-ativista circulou por ali foi no dia do segundo turno da eleição presidencial, em 28 de outubro. Battisti acompanhou a apuração numa pequena TV instalada numa lanchonete simples.

—Esse foi o último dia que ele apareceu aqui. Vinha todo dia, tomava cerveja e lia o jornal. Ele acompanhou a apuração da vitória do (presidente eleito Jair) Bolsonaro com certa preocupação — conta Miguel Rangel, dono do estabelecimento.

Alguns vizinhos de Battisti não o veem desde o feriado de Finados, poucos dias depois da eleição.

O delegado da Polícia Civil, Tedi Wilson de Andrade, trabalha com a informação de que ele foi visto no município na última terça-feira.

Mas há também quem garanta que o italiano está no Rio de Janeiro desde a semana passada para finalizar os detalhes de um livro de ficção que tem como cenário a própria Cananéia, onde ele fixa residência pela segunda vez desde que saiu da cadeia, em 2011.

Battisti é conhecido na cidade. Todos sabem dar as coordenadas a qualquer estranho que pergunte o endereço de sua casa. Nos primeiros anos em Cananéia, o ex-ativista viveu na casa de um amigo, o sindicalista Magno de Carvalho, funcionário da Universidade de São Paulo e um dos integrantes do que chamou de comitê de apoio ao italiano.