O globo, n. 31176, 15/12/2018. País, p. 14

 

Dodge pede fim de uso de verba da educação para pagar advogado

Vinicius Sassine

15/12/2018

 

 

Escritórios que representam municípios em ações judiciais para liberação de recursos do antigo Fundef recebem parte do dinheiro carimbado a título de honorários

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender todas as decisões judiciais que permitiram a escritórios de advocacia receberem, a título de honorários, recursos destinados originalmente à educação básica. Esses escritórios representam municípios em pedidos para destravar a liberação do dinheiro. Os valores equivalem a uma diferença que a União deixou de repassar ao antigo Fundef, hoje Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Como honorários, essas bancas recebem entre 20% e 30% do valor devido aos municípios. Na visão de Dodge, o dinheiro deve ser usado exclusivamente em educação básica.

Reportagem publicada pelo GLOBO em julho revelou a ofensiva de bancas de advocacia sobre o dinheiro do Fundef e a contraofensiva da procuradora-geral, que coloca essa questão como a mais importante do Ministério Público para o próximo ano.

Honorários de R$ 90 bi

Encaminhado ao presidente do STF, Dias Toffoli, na última quinta-feira, o pedido de Dodgep ara suspensão das decisões judiciais que autorizaram os pagamentos não especifica quantas decisões em todo o país autoriza ramos escritórios a receber honorários.

Os montantes envolvidos são bilionários. Ao todo, 3,8 mil municípios de 19 estados têm direito a receber R$ 90 bilhões. O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação na Justiça para garantir os repasses, e a decisão judicial favorável transitou em julgado, ou seja, não cabem mais recursos contra a decisão. Desde então, começou a ofensiva de escritórios de advocacia para representar os municípios interessados em receber os precatórios.

Em agosto deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) já havia detectado que, até aquele mês, R$ 8,5 bilhões haviam sido efetivamente depositados nas contas de 329 municípios de 12 estados. Uma ampla auditoria teve início naquele momento para verificar se parte desse dinheiro — entre R$ 1,7 bilhão e R$ 2,5 bilhões —havia sido depositada na conta de escritórios de advocacia. Um julgamento no plenário do TCU em 2017 considerou ilegal e inconstitucional o pagamento de honorários com dinheiro da educação básica.

Em outubro, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o dinheiro equivalente à diferença do Fundef tem natureza constitucional e deve ser usado exclusivamente em educação básica.

A ofensiva de escritórios de advocacia para representar as prefeituras e assegurar os repasses do Fundeb — convertidos em precatórios — se dá principalmente na Região Nordeste. Os honorários cobrados podem chegar a R$ 18 bilhões.

Em agosto de 2017, o TCU já havia detectado que um único escritório arregimentou mais de cem prefeituras no Maranhão e poderia faturar R$ 1,4 bilhão. Um acórdão na ocasião proibiu as contratações.

“Decisões judiciais autorizando o desta quede honorários advocatícios contratuais nos precatórios causam risco de grave lesão à ordem e à economia públicas, porquanto permitem que verbas estritamente vinculadas aos gastos em educação sejam aplicadas em finalidade diversa daquela prevista na Constituição Federal”, argumentou Dodge no pedido encaminhado ao STF na última quinta. “A gravidade e urgência da situação, que compreende a possibilidade de desvio de finalidade na aplicação de verba bilionária destinada à educação, exige e justifica a intervenção dessa Suprema Corte,” acrescentou.

A procuradora-geral citou no pedido enviado ao STF o caso de um convênio assinado entre a prefeitura de Tianguá (CE) e a associação de municípios do Ceará, com vista ao recebimento dos precatórios relacionados ao Fundef. Pelo convênio, foram subcontratados escritórios de advocacia, com honorários previstos de R$ 12,6 milhões. O MPF ingressou com ação para tentar bloquear esse pagamento.