O globo, n. 31168, 07/12/2018. País, p. 8

 

Palocci diz que Lula pediu propina para o filho

Mateus Coutinho

07/12/2018

 

 

Segundo o ex-ministro, ex-presidente lhe contou que atuou pela aprovação de uma MP que beneficiava montadoras. Em troca, teria indicado pagamento a Luis Cláudio. Petista nega e afirma não haver provas

Em depoimento à Justiça Federal por videoconferência, ontem, o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci afirmou que o ex-presidente Lula atuou pela edição de uma Medida Provisória (MP) que prorrogou benefícios fiscais de montadoras, em 2013, em troca do repasse de dinheiro das empresas para o filho Luis Cláudio. O ex-presidente nega as acusações.

O relato consta da ação penal da Operação Zelotes, que aponta a participação de Lula na venda da medida provisória 471 em favor de montadoras de veículos. Palocci, que fechou acordo de colaboração premia dacoma Polícia Federal, disse ter ouvido uma confissão do próprio ex-presidente, em um encontro ocorrido em 2014 na sede do Instituto Lula, em São Paulo.

Segundo o ex-ministro, a conversa entre ele e Lula aconteceu após um pedido de apoio financeiro feito por Luis Cláudio para um projeto esportivo dele, entre o final de 2013 e o início de 2014. O diálogo não teria sido acompanhado por ninguém além dos dois.

— Ele (Luis Cláudio) me pediu um apoio, eu não fiz nada porque não pude nos dias seguintes. Fui falar com Lula porque queria ver se ele autorizava. Sempre que alguém pedia em nome do presidente eu consultava. Aí que o ex-presidente me falou: “Não precisa atender o Luis Cláudio, porque já resolvi esse problema com o Mauro Marcondes (lobista que atuava para montadoras que foram beneficiadas pela MP)” —relatou Palocci.

Repasse de R$ 2,5 milhões

Ainda segundo o delator, Luis Cláudio teria lhe pedido entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. O ex-ministro, teria, então, indagado ao expresidente o motivo pelo qual teria sido procurado para o pedido. Segundo Palocci, Lula teria dito que o filho não sabia da articulação:

— O presidente Lula disse: “Ele não sabe que eu fiz isso, mas pode esquecer o dinheiro. Já resolvi o problema com o Mauro Marcondes”. Ele me contou que foi através da renovação da (MP) 471, com uma emenda parlamentar na Câmara que renovou os benefícios da Caoa e da Mitsubishi, e que ele tinha dito ao Mauro Marcondes que pedisse uma contribuição para as empresas, que essa contribuição seria transferida ao filho dele — seguiu o ex-ministro em seu relato.

As investigações da Zelotes identificaram um repasse de R$ 2,5 milhões da empresa de consultoria de Marcon despara a LFT Marketing Esportivo, do filho do ex-presidente. Para o Ministério Público Federal (MPF), este valor seria a propina paga em decorrência da atuação do ex-presidente para favorecer as montadoras na edição da MP.

Palocci disse ter ficado espantado com a atuação do ex-presidente:

—Perguntei por que se envolveu nisso, e ele disse: “Olha, como se tratava de meu filho não quis envolver ninguém, e utilizei o Mauro, que ele já fez isso no processo anterior”.

O processo anterior mencionado pelo delator foi a MP 471, editada em 2009, responsável por conceder benefícios fiscais às montadoras Caoa e MMC, ligadas à Mitsubishi.

Os benefícios constantes vieram a ser renovados em 2013, por meio de uma alteração na MP 627. Segundo Palocci, foi a que teria tido a atuação do ex-presidente Lula para beneficiar o filho.

Ambas as MPs são investigadas pelo MPF, que aponta a aprovação delas como parte de um esquema de compras de medidas provisórias no Congresso. Palocci foi indagado pelos investigadores se o ex-presidente Lula havia comentado sobre a relação com Marcondes.

— (Lula) Chegou a comentar. Disse que tinha confiança no Mauro, que o conhecia desde a época em que ele era sindicalista e o sr. Mauro já era atuante no setor empresarial automobilístico no ABC.

“Afirmações mentirosas”

Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, disse que Palocci aproveitou o depoimento para, “de forma in usual, tomar a iniciativa de fazer afirmações sem qualquer relação com o processo, com o nítido objetivo de atacar a honra e a reputação do ex-presidente Lula e de seu filho Luis Cláudio”. E ressalta que o próprio ex-ministro informou que as conversas que contou ter tido com o ex-presidente não tiveram testemunha.

“Na verdade, Palocci sabe que suas afirmações são mentirosas e que por isso não poderão ser confirmadas por qualquer testemunha. Por isso, mais uma vez, o ex-ministro recorre a narrativas que envolvem conversas isoladas com Lula, expediente que já havia recorrido em depoimento prestado perante a Justiça Federal de Curitiba”.

O advogado de Mauro Marcondes, Roberto Podval, disse que “entendemos o desespero do Palocci, mas nada do que ele afirmou sobre o Mauro Marcondes é verdadeiro”. Reiterou ainda que Palocci “não apresentou nenhuma prova sobre o que afirmou”.