O globo, n. 31168, 07/12/2018. Sociedade, p. 23

 

Entrevista - Damares Alves: 'Casamento gay é um direito garantido'

Damares Alves

Natália Portinari

07/12/2018

 

 

Damares Alves - Futura ministra da mulher, família e direitos humanos

Pastora evangélica e advogada foi anunciada ontem para a pasta criada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Para ela, identidade de gênero é uma ‘teoria furada’

Damares Alves desafia estereótipos: reconhece o casamento homoafetivo, um posicionamento que desagrada a bancada evangélica, e defende os direitos de territórios indígenas, política atacada por ruralistas. Logo após ser anunciada para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a assessora do senador Magno Malta (PR-ES) afirmou que deseja “um Brasil sem aborto”, com políticas voltadas ao planejamento familiar. Em suas pregações na Igreja Quadrangular, a pastora fez discursos inflamados sobre a necessidade de mudar o conteúdo do ensino fundamental, atacando discussões sobre identidade de gênero. Assim como Bolsonaro, também criticou “Aparelho sexual & cia”, de Hélène Bruller. O presidente eleito cita o livro, que jamais foi distribuído para alunos da rede pública pelo MEC, como exemplo do que ele qualifica como “kit gay”.

Como se deu sua militância pelos direitos humanos?

São anos na estrada na defesa da infância. Militei algum tempo no movimento Meninos de Rua, atendendo meninos que estavam se prostituindo, cheirando cola. Depois fui fazer (faculdade de) Direito e foquei mais no menor dependente químico e nas mulheres. Trabalhei com camponesas e pescadoras. São mulheres sofridas, que apanharam de maridos.

Como foi a agressão que a senhora sofreu na infância?

Sofri uma violência sexual aos 6 anos. A partir daí, tão logo comecei a trabalhar, decidi defender crianças, proteger os vulneráveis. Sou educadora e pastora, em 1991 me tornei advogada e busquei a proteção de direitos. No Congresso, ajudei o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Qual sua principal bandeira para o ministério?

Gostaria muito de trazer os invisíveis para o protagonismo dos direitos humanos, como a mulher ribeirinha e a seringueira. As políticas públicas nem sempre chegam a elas. Temos mais de um milhão de ciganos no Brasil. Esse povo é lindo e sofre preconceito.

E os transexuais?

É essencial ter um diálogo com a travesti que está na rua se prostituindo. Será que está lá por opção, ou porque não ingressam no mercado de trabalho? Por que só esse caminho, por que não trazê-las para as universidades?

A senhora é a favor da legalização da prostituição?

Não. Não tenho nenhum problema com a prostituta, mas quem consome mulher na prostituição para mim é predador. Quero pensar na prostituta como um ser humano que precisa de dignidade.

Qual sua opinião sobre a discussão da identidade de gênero?

É uma teoria furada, sem nenhuma comprovação científica. Nós temos que lutar pela igualdade de direitos civis entre homens e mulheres. Não quero nenhuma mulher ganhando menos que um homem ou sendo preterida por ser mulher. Mas homens e mulheres não são iguais. É muito ruim dizer que somos iguais, porque eu não consigo carregar um saco de cimento nas costas, e o homem não consegue fazer todas as coisas que eu faço ao mesmo tempo.

A senhora já está enfrentando críticas por ter dito que a mulher nasceu para ser mãe.

Mas a mulher nasceu para ser mãe, tem um útero para gerar. É instintivo, da natureza humana. Quem manda são as regras biológicas, que nos fizeram com peito, útero, ovário e trompas.

Então o papel da mulher é procriar, e do homem é ganhar o pão?

É da raça humana. Oh o memé protetor, provedor, cuidador. Masa civilização está mudando e agente tem que ir para o mercado de trabalho. Gostaria de um mundo em que a mulher só trabalhasse se quisesse, mas não temos essa opção. Algumas têm prazer em trabalhar —eu, por exemplo. Mas nem todas são felizes.

As mulheres sofrem discriminação?

Sim. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Acada sete, uma sofre violência doméstica. Esses são os números oficiais. E as que não denunciam? É uma nação que machuca as mulheres.

Como combater isso?

Temos que fazer uma revolução cultural. Quando a teoria de gênero vai para a sala de aula e diz que todos são iguai seque não há diferença entre meninos emeninas, elas podem levar porrada, porque são iguais a eles. Somos frágeis, mas especiais, fazemos coisas que eles não conseguem fazer.

Qual sua posição sobre o casamento homoafetivo?

Isso é uma questão que já está praticamente definida no Brasil. É uma conquista deles. Direitos conquistados não se discute mais. Então, pra mim, é uma questão vencida, tanto é que o movimento gay nem tem mais isso como pauta, é um direito civil garantido.

Os ministros do governo Bolsonaro aparentemente não querem ficar com a Funai. A senhora abrigaria o órgão?

Funai não é um problema, e sim como lidamos com a política indigenista. Me incomoda a proposta de colocar os índios no Ministério da Agricultura. Metade deles já está em área urbana. O que o Ministério da Agricultura vai fazer com o índio universitário? Temos que preparar os indígenas para um novo momento de interação. O presidente Bolsonaro está falando de uma forma muito bela, quando diz que índio não é bicho. (Após a entrevista, foi anunciado que a Funai ficará no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos)

A senhora é a favor de uma flexibilização nas regras das reservas indígenas?

O problema é que quando se fala em índio só se pensa em terra. Não é por aí. Mas sim, sou a favor do índio poder ter um manejo sustentável em suas terras para sua sobrevivência. Outra questão é a mineração em áreas indígenas, que está sendo discutida no Congresso. Não aceito demarcar uma área enorme e deixar o índio solto, sozinho, sem ajuda para sustento ou fiscalização. Se me perguntar de que lado eu estou, estarei sempre do lado do índio.

Sua filha é indígena?

Minha filha é índia, do povo Kamayurá, e está comigo desde os 6 anos. É uma lind amoça que tem 20 anos hoje e está se preparando para o curso superior. Sempre recebo a família biológica dela em Brasília e ela mantém a sua identidade cultural: se pinta, dança, canta, come formiga. Sou uma mulher divorciada, mãe de uma filha adotiva. Essas famílias existem e estão aí no Brasil.

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Indígenas querem que Funai permaneça no Ministério da Justiça

Patrik Camporez

07/12/2018

 

 

Representantes de povos indígenas de todas as regiões do país desembarcaram ontem em Brasília e permaneceram concentrados no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde funciona o gabinete de transição do novo governo. A pauta do grupo, que reúne cem pessoas, é marcar um encontro com o presidente eleito Jair Bolsonaro. Entre as demandas estão a permanência da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Ministério da Justiça e a intensificação dos processos de demarcação de territórios indígenas.

Segundo Kretã Kayngang, que faz parte da coordenação dos povos indígenas da região Sul do país, as entidades protocolaram uma carta que deverá ser entregue a Bolsonaro.

— A gente enxerga que ninguém quer ficar com a Funai. Como se índio fosse hoje um problema. Mas eu acredito que falar, todo mundo fala. Papagaio fala. Temos os direitos constitucionais e internacionais. Ele (o presidente eleito) vai ter que cumprir —afirmou.

O líder ainda criticou as falas recentes do presidente eleito, principalmente a que compara índios a animais presos em zoológicos.

— Nos chamaram de animais. Como povos originários, nos sentimos muito ofendidos — diz Kretã Kayngang.