O globo, n. 31166, 05/12/2018. País, p. 4

 

Discutindo a relação

05/12/2018

 

 

Bolsonaro conversa com partidos pela 1ª vez e diz que não tem a ‘fórmula do sucesso’

 

 

Ignorados na montagem do Ministério por Jair Bolsonaro, os líderes das bancadas dos partidos no Congresso começaram a ser ouvidos ontem pelo presidente eleito. Ele manteve o discurso contra a “velha política”: disse que não promete cargos nem verbas, apenas “muito amor”. Depois de ignorar partidos e líderes do Congresso na montagem do seu Ministério, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, começou ontem a dialogar com as forças da política que mais prometeu manter distância, as bancadas partidárias.

A uma plateia de 34 deputados do MDB, sigla que simbolizou o loteamento político de cargos na Esplanada nas últimas décadas, o presidente pediu apoio à agenda do novo governo, mas não abandonou o discurso contra o que chama de “velha política”. Depois, à imprensa, ao explicar o que havia prometido aos políticos no encontro, foi irônico: nem cargos, nem verbas, apenas “muito amor”.

— A gente pode não saber a fórmula do sucesso, mas sabemos a do fracasso. Em grande parte continuar fazendo o que estavam fazendo até há pouco tempo. Eu acredito que não temos mais espaço para essa forma de fazer política no Brasil — disse Bolsonaro.

“Estratégia ousada”

Após receber os políticos do MDB da Câmara — incluindo Celso Jacob, condenado pelo STF e que cumpre pena no semiaberto —, a sequência de encontros de Bolsonaro com as bancadas partidárias do Congresso teve o PRB do pastor Marcos Pereira, gravado supostamente pedindo propina ao delator da J&F Joesley Batista, quando era ministro do presidente Michel Temer. Ele se diz inocente. Hoje, o presidente receberá a bancada do PSDB e do PR do mensaleiro Valdemar Costa Neto.

Enquanto colhe dividendos com seu eleitorado, ao tratar com menos importância os líderes do Congresso, Bolsonaro montou seu governo nas últimas semanas a partir das chamadas “frentes parlamentares temáticas”, formadas pelos mesmos políticos dos partidos, mas agrupados por tema de interesse.

O presidente eleito deu ministérios aos evangélicos e aos ruralistas, convidou militares de sua confiança para o Palácio do Planalto e entregou pastas a indicados de aliados do seu círculo pessoal. Bolsonaro, no entanto, sabe que as votações de temas espinhosos como a a agenda de medidas na área da segurança serão cruciais para o sucesso do governo.

O comportamento distante de Bolsonaro com líderes e partidos, no entanto, já preocupa os integrantes do governo. Ontem, o futuro ministro da Cidadania chegou a defender que Bolsonaro tentasse ganhar “corações e mentes de deputados” para conseguir votar projetos importantes para o país no Congresso. O ministro, no entanto, reconheceu o risco do plano.

— É uma estratégia ousada. Ainda não sei como vai funcionar, se vai ter base aliada, como vai ser. Melhor esperar —disse.

Após a reunião com o presidente eleito, o líder do MDB na Câmara, deputado Baleia Rossi (SP), afirmou que o partido será “independente” em relação ao governo, mas agirá “com responsabilidade” nas votações. Baleia disse não ter havido pedido formal do presidente eleito para que a legenda integre a base governista, embora o partido tenha no futuro Ministério um de seus quadros, o deputado gaúcho Osmar Terra, que assumirá a Cidadania.

—O MDB, institucionalmente, já se declarou independente, mas temos responsabilidade. Vamos debater os projetos e saber votar a favor do país. Vi na bancada um intuito de ajudar o país, de debater com responsabilidade. A oposição pela oposição é ruim e o quanto pior, melhor não é positivo para o país —disse Rossi.

O discurso amistoso do líder emedebista, depois da conversa, deu o tom do que deve ser o relacionamento de Bolsonaro com os líderes nesse início de governo, quando o presidente ainda contará com a popularidade das urnas.

Tucanos também

Depois de Bolsonaro ter reuniões com MDB e PRB, Onyx foi à Câmara conversar com a bancada do PSDB e reverberou o discurso de Bolsonaro contra o fisiologismo na relação com o Parlamento.

— Nós temos que desenvolver um novo sistema de relacionamento. Transparente, republicano e limpo —disse o futuro ministro.

Para conseguir aprovar emendas constitucionais, como a reforma da Previdência, o governo precisará de pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado. Eleito senador, Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito, defendeu ontem a estratégia do pai para conseguir formar essa maioria.

—O que tenho dito aos senadores é que o critério de escolher ministros, inédito de um presidente, que não está carimbando ministério com sigla partidária, permite que todos os parlamentares possam levar suas demandas legítimas e republicanas a qualquer ministro. A legitimidade do Congresso tem de ser resgatada.

A estratégia de Bolsonaro de lidar com o Congresso tem gerado diferentes reações. Líder do PRB na Câmara, Celso Russomanno (SP) demonstrou entusiasmo em aderir, mas reconheceu que é preciso debater com a sigla. Já o líder do PR, José Rocha (PR-BA), que encontrará Bolsonaro hoje, acha que o governo terá boa interlocução com líderes partidários, mas que o diálogo por meio de bancadas temáticas não é o ideal.

Candidato à presidência da Câmara, o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) levou queijo e goiabada à reunião com Bolsonaro. Apesar de não saber explicar como serão as tratativas para aprovar projetos, ele acredita que o governo terá uma forma de se relacionar com o Congresso.

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‘A Funai vai para algum lugar. Agricultura, não’, diz presidente eleito 

André de Souza

Daniel Gullino

Eduardo Bresciani

05/12/2018

 

 

Um dia após o ministro extraordinário da transição, Onyx Lorenzoni, afirmar que a Fundação Nacional do Índio (Funai) seria deslocada do Ministério da Justiça para a Agricultura, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse que o órgão pode ir para o Ministério da Cidadania, mas ressaltou que a questão ainda não está definida:

—A Funai vai para algum lugar. Agricultura, acho que não. Pode ir lá para Ação Social —afirmou Bolsonaro, que depois se corrigiu e disse que estava se referindo à pasta da Cidadania, que será criada.

Na segunda-feira, Onyx havia afirmado que a tendência era a Funai ser transferida para a Agricultura e que a ideia é ter uma nova abordagem na área.

—Está em processo de definição, mas deve ir para a Agricultura — afirmou Onyx Lorenzoni. — Temos áreas de atuação, e a Funai é apenas uma delas, que precisam de um novo direcionamento. O Brasil há muitos anos cuida de seus índios através de ONGs, que nem sempre fazem um trabalho mais adequado. A população indígena tem reiterado que quer sua liberdade, sua independência, mantendo suas tradições, mas não necessariamente querem ficar na situação em que muitas comunidades indígenas estão no Brasil.