O globo, n. 31166, 05/12/2018. Economia, p. 17

 

Em etapas

Geralda Doca

André de Souza

Daniel Gullino

Eduardo Bresciani

05/12/2018

 

 

Bolsonaro pretende encaminhar ao Congresso reforma fatiada

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmou ontem que encaminhará a reforma da Previdência de forma fatiada ao Congresso Nacional. Ele disse que vai começar a fazer as mudanças nas regras da aposentadoria pelo lado dos servidores públicos — o que exige a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Ele defendeu ainda a fixação de uma idade mínima para todos os trabalhadores. Sem entrar em detalhes, explicou que a ideia é aumentar a idade mínima em dois anos, de forma gradativa, mantendo uma diferenciação entre homens e mulheres.

— Na reforma da Previdência, a questão da idade é o que é mais buscado. Nós queremos sim apresentar uma proposta de emenda à Constituição, a começara reforma pela previdência pública, e com chance de ser aprovada. Não adianta você ter uma proposta ideal que vai ficar na Câmara ou no Senado. Acho que o prejuízo seria muito grande. Então a ideia é por aí, começar pela idade, atacarmos os privilégios e tocar essa pauta para frente. A Previdência é uma realidade, ela cresce ano após ano e não podemos deixar o Brasil chegar à situação que chegou a Grécia para tomar providência —disse Bolsonaro.

Pressão seria menor

Segundo auxiliares do presidente eleito, a proposta em estudo prevê também que servidores públicos que ingressaram na carreira antes de 2003 tenham que atingir uma idade mínima para ter direito a integralidade (último salário em atividade) e paridade (mesmo reajuste dos ativos). Essa seria uma forma de reduzir privilégios e obter apoio popular para a aprovação da reforma.

De acordo com interlocutores da transição, Bolsonaro avalia que o fatiamento das mudanças no regime de aposentadorias facilita o processo de aprovação no Congresso. Depois de aprovada a emenda à Constituição, que exige quórum qualificado, o novo governo poderia implementar outras mudanças por projetos de lei, que são mais fáceis de serem aprovados. No entanto, esses interlocutores apontam que ainda não há martelo batido.

Perguntado se as propostas seriam enviadas de forma fatiada, Bolsonaro respondeu:

—Pode ser fatiada sim. Está bastante forte a tendência de começar pela idade.

Ele também se manifestou favoravelmente à distinção de idade de aposentadoria entre homens e mulheres:

—Da minha parte, por enquanto, o que está sendo discutido, continua mantida essa diferença.

A declaração do presidente sobre o fatiamento da reforma da Previdência causou reações diferentes entre os especialistas. Para o economista Paulo Tafner, que sugeriu à equipe econômica do novo governo uma estratégia semelhante (junto com o expresidente do Banco Central Arminio Fraga), o plano é vantajoso porque reduz o poder dos grupos de pressão.

— Ao fatiar a reforma, o governo divide o problema por áreas. Poderá fazer primeiro a reforma do regime dos servidores civis, o que exige alteração da Constituição. Depois, poderá implementar mudanças nos regimes de trabalhadores das Forças Armadas, dos policiais e dos bombeiros, e da iniciativa privada via projetos de lei —destacou Tafner.

Críticas à estratégia

No entanto, para outros especialistas, a estratégia revela que o presidente eleito não está dando a devida atenção ao problema que precisa ser atacado de uma só vez e deforma exaustiva. As opiniões foram compartilhadas em grupos de discussão sobre a Previdência no WhatsApp, contou Tafner.

A proposta enviada pelo Temera o Congresso tinha como objetivo mudanças nas aposentadorias via emenda constitucional. O texto foi aprovado na comissão especial que tratou da matéria, mas parou com as denúncias contra Temer, encaminhadas pelo Procuradoria Geral da República (PGR).

Para fixar idade mínima no setor privado (INSS), no qual os trabalhadores podem se aposentar por tempo de contribuição (de 35 anos, para homens, e de 30, para mulheres), é preciso alterara Constituição. Se misso, o problema das aposentadorias precoces continuaria ocorrendo.

Já se sabe também que o novo governo pretende benefícios previdenciários do salário mínimo e estuda antecipar uma parte do auxílio para idosos e deficientes da baixa renda que não contribuíram para o regime de aposentaria. Atualmente, este segmento tem direito ao piso ao atingir 65 anos de idade.

Na segunda etapa da reforma fatiada, afirmam integrantes da transição, poderia ser incluída também a criação de um regime de capitalização para novos trabalhadores. Este modelo — no qual cada um contribui para uma conta individual de aposentadoria — seria acompanhado de uma mudança na forma de contribuição previdenciária, baseada atualmente na folha de pagamento. A ideia é arrumar uma fonte de recursos segura para arcar com o custo do regime atual, de repartição (em que os trabalhadores na ativa financiam a aposentadoria dos mais velhos), uma vez que o novo modelo retira receitas do sistema já que as contribuições vão para uma conta individual.

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Presidente eleito quer aprofundar mudança trabalhista 

Jussara Soares

Daniel Gullino

Geralda Doca

05/12/2018

 

 

Bolsonaro diz que está estudando novas alterações nas regras e que ‘é horrível’ ser patrão no Brasil com a legislação em vigor

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, defendeu ontem um aprofundamento da reforma trabalhista, que foi aprovada no ano passado pelo Congresso. De acordo com Bolsonaro, “é horrível” ser patrão no Brasil com a legislação atual:

— Quero cumprimentar quem votou na reforma trabalhista. Devemos aprofundar isso daí. Ninguém mais quer ser patrão no Brasil, é horrível ser patrão no Brasil com essa legislação que está aí. Nós queremos, através do Parlamento, mudando as leis, fazer com que nós tenhamos prazer de ver pessoas investindo no Brasil e pessoas dentro do Brasil acreditando no seu potencial.

Mais tarde, Bolsonaro afirmou que ainda está estudando as reformas a fazer, mas ressaltou que “não basta ter só direitos e não ter empregos”.

— Não quero entrar em detalhes aqui, estamos estudando. Agora, não basta ter só direitos e não ter empregos. Alguns falam até que poderíamos nos aproximar da legislação que existe em outros países, como os Estados Unidos. Acho que seria aprofundar demais. Mas a própria reforma trabalhista última, em que votei favorável, já tivemos algum reflexo positivo. O número de ações trabalhistas praticamente diminuiu pela metade.

Segundo integrantes do governo de transição, o plano é criar uma nova carteira de trabalho, verde e amarela, para reduzir custos e gerar empregos. Quem for ingressar no mercado e tiver entre 20 e 25 anos poderia optar pelo novo contrato, mas teria direitos reduzidos. O trabalhador poderia, por exemplo, abrir da mão da contribuição patronal para o INSS e de encargos como auxílio-doença. Em contrapartida, teria liberdade para investir o FGTS.

Para especialistas, há espaço para novas mudanças, mesmo com tão pouco tempo de aprovação da reforma trabalhista.

— Antes a legislação era muito restritiva, dava pouca margem à negociação. Isso já está claro para os legisladores. Falta regulamentar alguns pontos que vem ganhando jurisprudência —diz o advogado Rodrigo Takano, do escritório Machado Meyer.

Letícia Ribeiro, advogada do Trench Rossi Watanabe, entende que a dificuldade de ser patrão citada por Bolsonaro é um apelo para reduzir o custo da folha de pagamento:

— Os custos são os mesmos de dois anos atrás. Mexer nisso seria uma mudança bastante estrutural, que não foi tocada pela reforma de 2017. O problema é reunir apoio.