O globo, n. 31175, 14/12/2018. País, p. 4
'Sem passar a mão na cabeça'
Eduardo Brescini
Bernardo Mello Franco
14/12/2018
Flávio Bolsonaro diz estar ‘angustiado’ com o dinheiro rastreado de seu ex-assessor
O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito, Jair Bolsonaro, publicou ontem um texto em suas redes sociais comentando o caso do ex-assessor de seu gabinete que apareceu em um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tendo movimentado R$ 1,2 milhão em um ano. Flávio diz que não passará a “mão na cabeça” de quem tiver cometido um eventual erro.
Entre as movimentações feitas por Fabrício Queiroz, há o pagamento de R$ 24 mil para a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro, além de diversos saques em espécie. Jair Bolsonaro afirmou que Queiroz fez o depósito na conta de Michelle como parte do pagamento de uma dívida.
“Mantendo nossa coerência de sempre, não existe passar a mão na cabeça de quem errou. Não fiz nada de errado, sou o maior interessado em que tudo se esclareça pra ontem, mas não posso me pronunciar sobre algo que não sei o que é, envolvendo meu ex-assessor”, publicou o senador eleito.
Flávio Bolsonaro reclama da imprensa dizendo haver “uma força descomunal” para desconstruir sua reputação e também tentar atingir de alguma forma Jair Bolsonaro. O senador eleito diz que as movimentações seriam de R$ 600 mil, que entraram e saíram da conta do assessor, mas reconhece que, mesmo assim, o valor é alto, visto que o salário de Queiroz na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) era de R$ 8,4 mil.
“Isso é ruim pra mim”
Flávio reconhece que Queiroz só deve falar com o Ministério Público. E lamentou que o ex-assessor não está disposto a prestar esclarecimentos para a imprensa. “Basta ver como abordam a movimentação na conta de meu ex-assessor, como se ele tivesse recebido R$ 1,2 milhões (sic), quando na verdade foram R$ 600 mil que entraram mais R$ 600 mil que saíram de sua conta. Ainda assim um valor alto e que deve ser esclarecido por ele, que tomou a decisão de não falar com a imprensa e somente falar ao Ministério Público. Isso é ruim pra mim, mas não tenho como obrigá-lo”, afirma.
O senador eleito afirma ficar “angustiado” com a situação e diz estar interessado no esclarecimento rápido do caso para não haver mais dúvidas sobre sua honestidade.
“Fico angustiado, querendo que tudo se esclareça logo e não paire mais nenhuma dúvida sobre minha idoneidade, pois garanto a todos que não dei e nunca darei motivos para isso. Não vou decepcionar ninguém, confiem em mim. Se Deus quiser, tudo será esclarecido em breve”, conclui Flávio Bolsonaro.
Jair "Demorou a falar"
O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, disse ontem que seu companheiro de chapa deveria ter falado antes sobre a movimentação bancária do motorista Fabrício Queiroz.
O general considera que a demora de Jair Bolsonaro elevou a pressão sobre o novo governo.
— Ele demorou a falar. Podia ter falado antes. Esperou aumentar a pressão. Mas acho que falou bem — disse Mourão ao blog do colunista do GLOBO Bernardo Mello Franco.
O genral cobrou explicções de Queiroz, que está sumido há uma semana. Ele defendeu a investigação do caso das transferências bancárias e a punição dos envolvidos.
— O Exército tem uma sigla para isso: apurundaso. Apurar e punir se for o caso. É isso que deve ser feito - Disse Mourão.
Ontem, à revista digital Crusoé, o general Hamilton Mourão disse que a eventual prática de caixinha do gabinete de Flávio Bolsonaro seria "burrice ao cubo". Ele ressolvou que ainda "não há elementos para emitir um juízo de valor sobre o caso".
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Depósitos idênticos, em dinheiro e na mesma agência
Igor Mello
14/12/2018
Levantamento do GLOBO mostra que operações repetidas na conta de Queiroz somam R$ 55,5 mil entre janeiro e dezembro de 2016
A conta bancária de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL), recebeu depósitos mensais de valores idênticos ou semelhantes feitos sempre nas mesmas agências bancárias e em dinheiro vivo, mostra um cruzamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) feito pelo GLOBO. Somadas, as operações repetidas chegam a R$ 55,5 mil entre janeiro e dezembro de 2016.
O relatório do Coaf apontou movimentações suspeitas feitas por servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Por si só, não configuram um ilícito. Porém, a documentação foi anexada pela força-tarefa da Lava-Jato do Rio na ação da Operação Furna da Onça, que prendeu sete deputados estaduais em novembro.
No documento, o Coaf classifica a movimentação financeira dos assessores listados como “atípica”. O órgão afirma que “foi identificada a realização de operações fracionadas em espécie”. Entre elas, estão 59 repasses em dinheiro vivo a Queiroz, que totalizam R$ 216 mil.
O valor que mais se repete é bastante específico: em sete meses a conta recebeu depósitos de R$ 1.771 feitos na agência 0532 do Banco Itaú, localizada na Rua Jardim Botânico. Os depósitos nesse valor foram feitos sempre no mesmo dia ou poucos dias depois do pagamento de servidores da Alerj.
Na agência 5663, do Itaú, localizada na Rua Aristides Lobo, no Rio Comprido, duas movimentações desse tipo foram registradas. Em setembro, novembro e dezembro foram feitos depósitos em espécie no valor de R$ 4.246. Já em outros seis meses foram feitas transferências entre R$ 4.200 e R$ 4.600. Uma ex-servidora do gabinete do Flávio Bolsonaro que fez repasses a Queiroz é sócia de um restaurante localizado em frente à agência bancária.
Há também quatro depósitos de R$ 1.000 nos meses de março, maio, setembro e outubro. Embora tenham sido feitos em três agências diferentes, os endereços são próximos. As três unidades do Itaú ficam distantes apenas 800 metros entre si, na Taquara: duas ficam na Estrada do Tindiba, enquanto a terceira está localizada na Avenida Nelson Cardoso.
Indícios "muitos fortes"
Um dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, ouvido sob condição de anonimato, afirma que as movimentações identificadas pelo GLOBO podem guardar indícios de ocultação da origem dos valores depositados.
— Esse tipo de constância e regularidade de datas e os valores formam um conjunto de dados com indícios muito fortes de lavagem de dinheiro —avalia.
Para o advogado criminalista André Luís Callegari, doutor em Direito Penal e especialista em lavagem de dinheiro, é preciso investigar se a origem dos recursos de Queiroz é lícita. Ele lembra que o fracionamento de valores é uma prática originada na Europa, que busca dificultar a identificação do autor:
—O fracionamento é feito para dissimular a origem delitiva de valores. É uma forma de lavar dinheiro usar o fracionamento e fazer depósitos sem identificar o depositante. A depender da origem desses valores que foram obtidos e depositados em espécie, é possível configurar a dissimulação, principalmente pela ausência da constatação da procedência.