O globo, n. 31175, 14/12/2018. Economia, p. 17

 

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14/12/2018

 

 

Com crise da Avianca, governo libera capital estrangeiro no setor aéreo

A apreensão gerada no setor aéreo pela crise da Avianca levou o governo a editar ontem uma medida provisória (MP) para derrubar a restrição ao capital estrangeiro nas companhias brasileiras. Até agora, o limite era de 20%. A MP permite que investidores estrangeiros tenham até 100% do capital de aéreas que fazem voos domésticos, o que pode aumentar a concorrência no setor.

A decisão foi tomada em reunião de emergência no Planalto, três dias depois de a Avianca pedir recuperação judicial para evitar a perda de aviões por falta de pagamento. Na reunião, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, telefonou para o presidente eleito, Jair Bolsonaro, e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, que avalizaram a medida.

Um dos objetivos da MP foi oferecer margem de manobra à Avianca caso seus controladores optem por vender a companhia para estrangeiros. Mas a proposta vai além disso, explicou o ministro do Turismo, Vinicius Lummertz. Ela pode acelerar negócios de empresas low cost (baixo custo) interessadas em operar no país. Duas companhias com esse perfil —Norwegian e Sky — obtiveram recentemente autorização para operar rotas do Brasil para o exterior.

Havia ainda receio no governo de que uma possível falência da Avianca deixasse o mercado brasileiro concentrado em apenas três companhias (Latam, Gol e Azul) às vésperas das festas de fim de ano e do período de férias, quando cresce a movimentação nos aeroportos. Segundo Lummertz, dos 77 mil bilhetes vendidos pela Avianca, 82% se referem a pacotes da CVC, por exemplo. Embora a companhia tenha assegurado que as operações estão mantidas, o setor queria uma garantia, por isso o governo editou a MP, explicou o ministro.

Toda medida provisória tem que ser votada pelo Congresso para se tornar lei. Até lá, tem validade de 60 dias, prorrogável por igual período.

Como as outras empresas também sofrem com a desaceleração da economia e a alta dos preços dos combustíveis, Lummertz disse que a intenção da MP é permitir fontes alternativas de capital para todo o setor, estimulando a competição para reduzir tarifas.

— Precisamos de aéreas mais baratas no Brasil —disse o ministro. — Com a MP, damos espaço de manobra para a Avianca e para as demais.

Justiça aceita pedido

Ao anunciar a MP, Padilha negou que a medida tenha sido tomada só por causa da Avianca. Ele disse que o setor já esperava essa decisão. Segundo o governo, a MP não prejudica a tramitação de um projeto de lei que trata do mesmo assunto no Congresso e que também institui uma política para o setor do turismo, com a transformação da Embratur em agência. O problema é que a proposta, embora tenha pedido de urgência e esteja na pauta da Câmara há meses, não avança por causa da resistência da oposição.

Para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a abertura do mercado vai aumentar a oferta de voos, permitir maior integração com rotas internacionais e gerar empregos. “Espera-se o aumento da competição no mercado doméstico, além da geração de empregos diretos e indiretos no país”, afirmou a agência, em comunicado.

A ex-presidente Dilma Rousseff havia assinado em 2016 uma MP, que, entre outros pontos, elevava o capital estrangeiro nas empresas aéreas para 49%. Durante a discussão na Câmara, o percentual subiu para 100%, mas a medida ficou parada no Senado, onde a ampliação não foi bem recebida. O governo então resolveu editar outra MP agora como um atalho.

O pedido de recuperação judicial feito pela Avianca Brasil na segunda-feira foi aceito ontem pelo juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo. Ele marcou uma audiência de conciliação para o dia 14 de janeiro entre representantes da companhia e das arrendadoras BOC e Constitution, que pediram a devolução de 13 aviões por dívidas que somam US$ 32 milhões. As ações de reintegração de posse ficam suspensas por apenas 30 dias.

A dívida total da Avianca com seus credores chega a R$ 494 milhões. A consultoria Alvarez & Marsal foi nomeada como administradora judicial da Avianca Brasil. O juiz informou que ficam suspensas as ações e execuções contra a empresa por 180 dias, enquanto ela define o seu plano de recuperação judicial. Em nota, a Avianca informou que segue operando normalmente e que nada muda para quem tem passagens compradas.

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Para analistas, medida pode atrair investimentos e reduzir preços

14/12/2018

 

 

A permissão para que estrangeiros detenham até 100% do capital de empresas aéreas brasileiras pode aumentar a concorrência do setor, atraindo novas companhias para operar no Brasil. Se a MP for confirmada pelo Congresso, a entrada de novas empresas poderia reduzir o preço das passagens, segundo especialistas. O tamanho do mercado brasileiro é um dos principais atrativos para os estrangeiros: o país é o sexto maior mercado de aviação do mundo. Este ano deve fechar com cerca de 100 milhões de passageiros transportados.

—O mercado brasileiro tem potencial de crescimento de duas, três vezes em pouco tempo. Em países como Canadá ou Austrália, por exemplo, vende-se de 3,5 até 4 passagens por ano por habitante. No Brasil,arelaçãoéde0,5por habitante —diz Adalberto Febeliano,especialista em planejamento do transporte aéreo.

As companhias brasileiras já têm sócios estrangeiros, abaixo do limite de 20% do capital que vigorou até agora. Sem esse teto, elas poderiam injetar recursos nas brasileiras e aumentar sua participação.

A americana Delta Air Lines é dona de 9,5% das ações da Gol, e o grupo AirFrance-KLM tem 1,5%. Na Azul, a americana United Airlines tem 8% de participação. A família brasileira Amaro e a chilena Cueto controlam a Latam Airlines com cerca de 28% das ações somadas. A Qatar Airways tem outros 10%.

— A Latam também seria beneficiada, já que poderia reorganizar sua estrutura de capital. Quando foi criada, com a fusão entre a TAM e a LAN, já havia a previsão de que os chilenos poderiam aumentar sua participação no capital da empresa quando o limite de 20% fosse ampliado —lembra o advogado Felipe Bonsenso, especializado em Direito Aeronáutico.

Para Thiago Nykiel, diretor da consultoria Infraway, a MP é positiva para o consumidor. Para ele, a entrada de estrangeiras tende a baixar preços com a concorrência.

Empresas divergem

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) não quis comentar a decisão do governo. Entre as empresas aéreas, não houve consenso na avaliação da medida. Em nota, a Latam informou que é favorável ao capital estrangeiro,“pois esse é um setor que exige capital intensivo, e a medida estimula o crescimento, gerando riqueza para o Brasil”.

Já a Azul afirmou, em comunicado, que vê com preocupação a medida provisória: “Por não haver equilíbrio de concorrência e reciprocidade entre as companhias aéreas brasileiras e estrangeiras, a Azul se posiciona contrária à proposta e sustenta que a ausência de contrapartidas não trará benefícios para as empresas aéreas do Brasil”, diz o texto. Gol e Avianca não comentaram.