O globo, n. 31175, 14/12/2018. Sociedade, p. 24

 

Denúncias contra João de Deus chegam a 330

Patrik Camporez

14/12/2018

 

 

Advogado do médium, que nega as acusações, pede à Justiça permissão para líder espiritual dar continuidade aos atendimentos em Abadiânia, ‘mesmo que o juiz decida colocar policiais acompanhando o trabalho’

A força-tarefa do Ministério Público de Goiás recebeu, até o fim da tarde de ontem, mais de 330 mensagens em canais de denúncias contra o médium João de Deus. Os relatos ainda serão investigados, e os depoimentos das mulheres, colhidos formalmente.

O grupo de investigações foi instituído no início desta semana pelo procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres Neto, para apurar as acusações de abuso sexual feitas contra João Teixeira de Faria, divulgadas no último sábado pelo GLOBO e pelo programa “Conversa com Bial”.

Entre as mulheres que dizem ter sofrido abuso está uma das filhas do médium, Dalva Teixeira, de 49 anos. À revista “Veja” ela detalhou a violência, que teria começado quando tinha 10 anos, e afirmou: “Meu pai é um monstro”.

O advogado Alberto Toron, que defende o líder espiritual, foi ontem ao Fórum de Alexânia, cidade vizinha a Abadiânia, no interior de Goiás, para apresentar sua versão ao juiz Fernando Chacha, a quem cabe avaliar o pedido de prisão preventiva feito pelo Ministério Público anteontem. Toron disse ao juiz que João de Deus quer continuar seu trabalho, e propôs que ele seja filmado e vigiado por policiais enquanto consulta em seu centro espiritual.

Toron afirmou ao GLOBO que o líder religioso, que nega as acusações, está “verdadeiramente triste e inconformado” e vem “sofrendo muito”. Para ele, o trabalho do médium na Casa Dom Inácio de Loyola não representa uma afronta à Justiça ou mesmo “à continuidade de um delito que nunca houve”.

— Manifestamos que ele deseja continuar trabalhando mesmo que o juiz decida colocar policiais acompanhando para ver a lisura do trabalho. Eles são bem-vindos.

A defesa do médium se deslocou de São Paulo a Alexânia para questionar que “não teve nem sequer acesso aos depoimentos e nem mesmo ao próprio pedido de prisão”.

Também na tarde de ontem, ao menos 300 frequentadores do centro de João de Deus saíram em sua defesa, em passeata pelas ruas de Abadiânia, vestidos de branco e portando cartazes com frases sobre amor e fé. Os manifestantes foram aplaudidos por comerciantes.

‘A cidade vai chorar’

O clima na cidade ontem era de apreensão quanto ao futuro de seu líder espiritual. Um morador, da janela de casa e sem se identificar, avisou a reportagem:

— João de Deus aqui é mais importante que o prefeito.

E não é para menos. A própria prefeitura diz que o mercado da fé em Abadiânia gera 1,2 mil empregos. Para efeito de comparação, o segundo maior empregador — a prefeitura — conta com menos de 400 funcionários.

A repercussão internacional das denúncias de abuso contra João de Deus já afetou a movimentação no centro espiritual e na cidade.

Segundo Chico Lobo, administrador da Casa Dom Inácio de Loyola, 1,4 mil pessoas estiveram no centro anteontem, menos da metade dos habituais 3 mil visitantes diários que o espaço costuma receber.

— O João sempre foi bom para nós. Sempre foi bom para o povo. Se ele for preso, a cidade vai chorar —desabafa.

Na manhã de ontem, cinegrafistas e fotógrafos foram impedidos de entrar com câmeras na casa. De acordo com Chico, a presença da imprensa tem assustado os fiéis.

Os administradores do centro haviam anunciado pela manhã que pretendem suspender as atividades no local por cerca de 15 dias. João de Deus não deve atender nesse período.

— Não tem previsão para João voltar atender. O que vai acontecer depois só Deus sabe. O movimento está menor. Existe um fato. Ele não quer é trazer tumulto para a casa. Tem muita gente fragilizada aqui. A maioria é de pessoas

doentes. Temos que ter responsabilidade aqui. As pessoas têm o João como referência da casa. Elas querem ser atendidas por ele. Como ele não está, as pessoas deixam de aparecer — diz Chico Lobo, funcionário do líder há 14 anos.

O advogado de João de Deus orientou que seu cliente não deixasse Abadiânia. Segundo Chico Lobo, João chegou a ir ao aeroporto, onde pretendia embarcar para São Paulo, mas desistiu da viagem por orientação do advogado.

— O João não vai fugir da Justiça. Vai ficar acompanhando a situação à disposição das autoridades.