O globo, n. 31174, 13/12/2018. País, p. 4

 

'Que paguemos a conta'

Jussara Soares

13/12/2018

 

 

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmou ontem à noite que está disposto “a pagar a conta” caso a investigação aponte irregularidade na movimentação de R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017 de Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-assessor de seu filho e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL). O presidente eleito disse que o caso “dói no coração”, porque, segundo ele, “o que tem de mais firme (em seu projeto de governo) é o combate à corrupção”.

—Se algo estiver errado comigo, meu filho ou o Queiroz, que paguemos a conta desse erro. Não podemos comungar com erro de ninguém — disse Bolsonaro, em transmissão ao vivo pelo Facebook, que durou 16 minutos.

Bolsoanro, no entanto, reafirmou que nem ele, nem o filho ou o assessor são investigados. Ele disse que Queiroz será ouvido na próxima semana. Apesar de ter observado que o caso do ex-assessor foi fruto de um vazamento, Bolsonaro afirmou que não é contra a prática.

— Não sou contra vazamento, não, tem que vazar tudo mesmo. Nem devia ter nada reservado, botar tudo para fora e chegar a conclusão. Dói no coração? Dói. O que temos de mais firme é o combate à corrupção.

O presidente eleito disse que, “aconteça o que acontecer”, em seu governo serão usadas todas as armas para o combate à corrupção, incluindo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), que revelou a movimentação na conta bancária do ex-assessor de Flávio Bolsonaro:

— Aconteça o que acontecer, enquanto eu for presidente vamos combater a corrupção com todas as armas do governo, inclusive com o próprio Coaf, que está indo para o ano que vem para o Ministério da Justiça.

Bolsonaro só falou sobre o Coaf ao final da transmissão e classificou o caso como “um problema pela frente.”

— Temos um problema pela frente, o caso de um ex-assessor nosso que está com uma movimentação atípica. Eu deixo bem claro que eu não sou investigado. O meu filho Flávio Bolsonaro não é investigado. E, pelo que me consta, esse ex-assessor nosso será ouvido pela Justiça na semana que vem. A gente espera que ele dê as devidas explicações.

Queiroz é citado em um relatório do Coaf vinculado à Operação Furna da Onça, que, no mês passado, prendeu deputados estaduais do Rio. O volume de recursos movimentados em sua conta bancária foi considerado atípico. Entre as transações que constam do relatório está um cheque de R$ 24 mil pagos à futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Mourão: “burrice”

A investigação pode ser remetida ao Supremo Tribunal Federal. Quando Flávio Bolsonaro tomar posse no Senado, a competência do caso será da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ao site da revista digital Crusoé, o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão disse que, se esse for um caso de caixinha de transferência de salário, seria “burrice ao cubo”.

Ontem, O presidente do Coaf, Antônio Ferreira de Sousa, rebateu as críticas do futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao órgão, depois da divulgação do relatório. Onyx chegou a perguntar onde estava o Coaf no mensalão. O presidente do órgão respondeu:

— Estamos integrados (com o Parlamento) há 20 anos. Fizemos 137 relatórios para CPIs. Participamos de todas elas. (Colaboraram Chico Otavio e Jailton de Carvalho)

Onde está Fabrício?

>Desde que o relatório do Coaf veio a público, há seis dias, revelando movimentações financeiras suspeitas entre o ex-assessor Fabrício Queiroz e a família do presidente eleito, Jair Bolsonaro, uma série de dúvidas surgiram. Bolsonaro, seus filhos, alguns de seus ministros e até sua mulher, a primeira-dama Michelle, deram declarações sobre o trânsito de dinheiro entre Queiroz e o clã presidencial. O único que permanece em silêncio, em lugar incerto, é Fabrício.

> 6/12

Flávio Bolsonaro diz ao “Estado de S.Paulo” que “construiu uma relação de amizade e confiança” com o exassessor e não tem “informação de qualquer fato que o desabone”.

> 7/12

Jair Bolsonaro afirma que os R$ 24 mil pagos em cheques pelo ex-assessor à futura primeira-dama, Michelle, referem-se à quitação de uma dívida pessoal: “Emprestei dinheiro para ele”. Nesse dia, Flávio diz ter conversado com Queiroz e ouvido uma “história plausível”.

> 8/12

Eduardo Bolsonaro diz que ninguém sabe o que aconteceu na movimentação do exassessor do irmão: “O que ocorreu ali ninguém sabe, nem o Coaf sabe”.

> 9/12

Jair Bolsonaro cobrou que o ex-assessor do filho prestasse contas do dinheiro rastreado pelo Coaf: “Ele tem que explicar”.

> 10/12

Em sua conta no Twitter, a futura primeira-dama Michelle disse que “já está mais do que claro de que nenhum de nós recebeu propina. Ninguém recebe propina com pagamento com cheque nominal”.

> 11/12

O GLOBO revelou que o ex-assessor, que movimentou R$ 1,2 milhão, possui uma casa modesta, num beco na Taquara, bairro da Zona Oeste do Rio.

> 12/12

Eduardo Bolsonaro encerrou de forma abrupta uma entrevista coletiva quando foi questionado sobre o caso: “Estou em Brasília aqui direito. Sobre essas questões aí, lamento informar, mas da vida do assessor do Flávio e de outras pessoas lá, eu não tenho informação. Sou a pessoa errada para esse tipo de pergunta”.

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Ex-funcionário de Flávio passou 248 dias no exterior

13/12/2018

 

 

Tenente-coronel, que fez depósitos para Queiroz, recebeu salários no período

Outro ex-assessor parlamentar do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), o tenente-coronel da Polícia Militar do Rio Wellington Servulo Romano da Silva, de 48 anos, também é suspeito de irregularidades. Ele passou 248 dias fora do Brasil durante o período de um ano e quatro meses em que trabalhou para o filho do presidente eleito e, ainda assim, recebeu os salários e as gratificações.

De acordo com a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Servulo Romano da Silva não tirou licença no período em que trabalhou na Casa. As informações foram reveladas ontem em reportagem do Jornal Nacional.

O ex-assessor é um dos servidores que transferiram recursos para Fabrício de Queiroz, ex-motorista de Flávio que, segundo relatório do Coaf, teve movimentação atípica de R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e o mesmo mês de 2017. O documento aponta que Servulo fez uma transferência de R$ 1,5 mil para Queiroz.

As viagens do ex-assessor eram para Portugal. De acordo com a reportagem, em 24 de abril de 2015, Servulo deixou o país e ficou no exterior 44 dias. Nesse período, recebeu o salário de R$ 5,4 mil como funcionário da vice-liderança do PP, partido de Flávio à época. No mesmo ano, viajou outras quatro vezes para Portugal. Em 2015, totalizou 119 dias fora do Brasil. A última viagem daquele ano foi em 16 de dezembro e a volta aconteceu em 31 de janeiro de 2016.

Ainda de acordo com o Jornal Nacional, o ex-assessor fez outra viagem entre 9 de março e 8 de abril de 2016. Em 1º de abril, enquanto estava fora do país, Servulo foi dispensado do cargo na vice-liderança do PP. Em abril e maio, ele não aparece na folha de pagamento da Alerj. Em 18 de maio de 2016, o ex-assessor foi nomeado para trabalhar no gabinete de Flávio, mas dois dias depois embarcou de novo para Portugal, com destino a Lisboa.

Nessa viagem, foram mais 15 dias no exterior. Outro voo ocorreu em 15 de julho e foram mais 45 dias longe do Brasil. Servulo foi exonerado em 1º de setembro de 2016 e não voltou a trabalhar com Flávio.

Imóvel desocupado

Anteontem, O GLOBO esteve no endereço de Servulo e apurou que o apartamento está vazio há cerca de dois anos. A reportagem conversou ainda com a mãe do ex-assessor, Nanci Silva. Ela disse que o filho havia se mudado para Portugal há aproximadamente dois anos, depois que a nora foi vítima de um sequestro. Na ocasião, Servulo não retornou aos contatos deixados pelo GLOBO.

Ao Jornal Nacional, Flávio Bolsonaro informou que não procede a informação de que Servulo morava em Portugal enquanto estava lotado no gabinete. Disse ainda que a família do ex-assessor tem cidadania portuguesa. Segundo ele, o depósito de R$ 1,5mil de Servulo a Queiroz é corriqueiro e pontual e que não pode ser cobrado por isso. Flávio ressaltou que não é investigado.