Correio braziliense, n. 20250, 30/10/2018. Política, p. 2

 

Bolsonaro fala em Moro e previdência

Jorge Vasconcellos

30/10/2018

 

 

GOVERNO DE TRANSIÇÃO » Presidente eleito afirma que chamará o juiz de primeira instância para fazer parte da equipe ou o nomeará para o STF. Também garante que virá a Brasília para discutir a reforma previdenciária com Michel Temer e tentar aprová-la ainda este ano

O presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL), confirmou ontem que convidará o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância em Curitiba, para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) ou assumir o Ministério da Justiça. Em entrevistas a emissoras de tevê, ele adiantou que estará na próxima semana em Brasília para tratar com o presidente Michel Temer (MDB) sobre a possível votação, ainda neste ano, de parte da reforma da Previdência e da proposta de flexibilização do Estatuto do Desarmamento — para permitir a concessão do porte de armas de fogo a cidadãos comuns. Sobre o anunciado enxugamento da máquina pública, revelou que pretende privatizar ou até extinguir a TV Brasil, com a justificativa de que a emissora tem apenas um traço de audiência e custa R$ 1 bilhão ao ano.

Nas entrevistas, as primeiras desde a confirmação da vitória nas urnas, no domingo, Bolsonaro disse que o juiz Sérgio Moro terá liberdade para escolher entre a Suprema Corte ou a pasta da Justiça. “Eu pretendo convidá-lo para o Ministério da Justiça ou, no futuro, abrindo uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Em qual melhor ele achasse que poderia trabalhar para o Brasil”, afirmou o militar da reserva.

“Pretendo conversar com ele (Moro) e, logicamente, havendo uma conversa, nos acertando, seria feito um convite. Ele diria sim ou não. Eu só posso falar isso agora porque as eleições acabaram. Se fosse antes das eleições, poderia soar como oportunismo da minha parte”, disse, antes de observar que, embora o juiz federal tenha um perfil mais indicado para o STF, é a vaga do Ministério da Justiça que está aberta inicialmente. Nos próximos quatro anos, pelo menos dois novos membros do STF deverão ser indicados por Bolsonaro. Os ministros Celso de Mello, decano da Corte, e Marco Aurélio vão se aposentar em 2020 e 2021, respectivamente.

O presidente eleito declarou que Moro, por ter, segundo ele, perdido a liberdade por causa do combate à corrupção, merece ter o trabalho reconhecido. “Nosso querido juiz Sérgio Moro é uma pessoa que perdeu a liberdade no combate à corrupção e hoje não pode ir à padaria, sozinho, comprar um pão ou passear no shopping com sua família. Tem que estar muito bem protegido por seguranças. Então é uma pessoa que merece ser reconhecida pelo seu trabalho”, disse o capitão da reserva.

 

Constituição

Ao longo das conversas à Record, ao SBT e à Globo, ele voltou a assegurar que respeitará a Constituição e que governará para todos os brasileiros. “Primeiro, (quero) dizer-lhes que as eleições acabaram. Chega de mentira. Chega de fake news. Realmente, agora estamos em uma outra época. Eu quero governar para todos, não apenas para os que votaram em mim. Temos uma Constituição que tem que ser, realmente, a nossa ‘bíblia’ aqui na Terra. Respeitá-la, porque só dessa maneira podemos conviver em harmonia”, garantiu.

O futuro inquilino do Palácio do Planalto também foi questionado sobre ameaças de banir adversários feitas às vésperas do segundo turno da eleição presidencial. Na ocasião, em discurso transmitido ao vivo para apoiadores concentrados na Avenida Paulista, ele anunciou que “os marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”, em referência aos partidos de esquerda.

“Foi um discurso inflamado, com a Avenida Paulista cheia e, logicamente, estava me referindo à cúpula do PT e à cúpula do PSol. O próprio Boulos (Guilherme, presidenciável derrotado da sigla) disse que invadiria minha casa na Barra da Tijuca por não ser produtiva”, explicou. “Vimos o candidato do PT derrotado em vídeo dizendo que a crise no Brasil só acabaria quando Lula fosse eleito presidente. Então, foi um momento de desabafo e em um discurso acalorado, mas não ofendi a honra de ninguém. No Brasil de Jair Bolsonaro, quem desrespeitar a lei sentirá o peso da mesma contra sua pessoa”, afirmou.

Jair Bolsonaro reafirmou ser favorável à liberdade de imprensa, mas ameaçou cortar a propaganda oficial de veículos noticiosos que faltaram com a verdade. “No que depender de mim, da propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal”, alertou.

 

Em Brasília

Sobre a reforma da Previdência, o presidente eleito disse que a primeira pessoa com a qual se encontrará na próxima semana em Brasília é o presidente Michel Temer. “A nossa reforma é um pouco diferente da do Temer, mas nós vamos procurar o governo e procurar salvar alguma coisa dessa reforma”, apontou. “Nós veremos o que pode ser aprovado, o que passa pela Câmara e pelo Senado. Agora, nós não podemos é não aprovar nada no corrente ano. Ela é bem-vinda e será feita. Do que depender de nós, com muito critério e com muita responsabilidade”, afirmou.

Bolsonaro afirmou que espera contar com o apoio dos eleitores que não votaram nele. “Nós estamos no mesmo barco. Se o Brasil não sair dessa crise ética, moral e econômica, todos nós sofreremos as consequências do que se aproxima no futuro. Nós queremos é juntos, juntos com vocês. Afinal de contas, nós temos tudo para ser uma grande nação”, declarou, antes de jurar que não tem nenhum tipo de preconceito.

“O que está faltando é a união de todos, evitar as divisões. Essas divisões apareceram no governo anterior: nordestinos e sulistas, brancos e negros, ricos e pobres, homos e héteros. Isso, nós vamos evitar. Vamos tratar todos iguais. E eu apelo àqueles que não votaram em mim: nos dê a oportunidade de mostrar que, realmente, nós podemos fazer uma política de modo que a felicidade se faça presente em nosso meio no futuro”, ressaltou.

Ainda sobre preconceito, defendeu punições mais severas contra a violência de cunho homofóbico. “A agressão contra os semelhantes tem que ser punida na forma da lei. Se for por um motivo como esse, tem que ter pena agravada”, declarou o presidente eleito, que voltou a atacar o que definiu ao longo da campanha como “kit gay”. “Deixo bem claro: ganhei rótulo por muito tempo de homofóbico. Na verdade, fui contra um kit feito pelo então ministro da Educação, Haddad. Não poderia concordar com isso. A forma como ataquei essa questão é que foi um tanto quanto agressiva, porque achava que o momento merecia isso”, declarou.

 

Folha de S. Paulo  citada

Bolsonaro criticou o jornal Folha de S. Paulo, que ele acusa de ter veiculado informações inverídicas a respeito dele. Um dos exemplos citados foi uma reportagem que denunciava que uma servidora do seu gabinete na Câmara dos Deputados era funcionária fantasma. Outra matéria criticada era a que noticiava que empresários apoiadores de sua campanha contrataram serviços de disparo em massa de mensagens via WhatsApp, com informações falsas sobre o PT. Durante a campanha, Bolsonaro chegou a prever que o diário deixaria de existir. Ontem, no entanto, afirmou que, “por si só, esse jornal se acabou”.