Correio braziliense, n. 20250, 30/10/2018. Política, p. 6

 

Legislação penal entra em pauta

Renato Souza

30/10/2018

 

 

GOVERNO DE TRANSIÇÃO » Temas como flexibilização do Estatuto do Desarmamento, redução da maioridade penal, proteção de policiais ganham força com a vitória de Jair Bolsonaro

Assuntos polêmicos na área de direito penal e que podem refletir profundamente na segurança pública devem ser pautados antes mesmo de o novo presidente tomar posse, em 1º de janeiro do próximo ano. Parlamentares da bancada da bala se articulam para votar projetos que relativizam o Estatuto do Desarmamento. A intenção é derrubar barreiras legais e permitir que a posse de armas de fogo seja autorizada para qualquer cidadão. Outra medida anunciada por Jair Bolsonaro, antes mesmo de se lançar candidato, é a chamada excludente de ilicitude de policiais em serviço. Esse tipo de “salvo conduto” já está previsto no Código Penal Militar para os casos de legítima defesa.

As mudanças na legislação não param por aí. Os debates sobre a redução da maioridade penal voltam com força no Congresso Nacional, apoiadas em discursos do novo chefe do Executivo. Essa também é uma bandeira antiga do militar reformado do Exército. Em uma audiência pública sobre o assunto, realizada em 2015, na Câmara, Bolsonaro defendeu que a medida reduziria os índices de violência. “Não dá para esperar acontecer com nossas famílias e depois ficar abraçando a Lagoa Rodrigo de Freitas e soltar pombas pedindo Justiça. Imagina ficar sem um filho por causa de um celular?”, disse na ocasião.

A redução da maioridade penal tramita por meio da Proposta de Emenda à Constituição (171). Apresentada no Parlamento em 1993, cria polêmica desde então. O texto já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça de Câmara (CCJ). A proposta muda o artigo 128 da Constituição, que passaria a determinar que “são penalmente inimputáveis os menores de 16 anos”. É preciso que a maioria dos deputados das duas casas legislativas aprovem a medida.

 

Armas

Atualmente, apenas profissionais de segurança pública e das Forças Armadas, procuradores, juízes, e pessoas autorizadas pela Polícia Federal podem ter armas. A ideia, prevista no plano de governo apresentado por Bolsonaro e presente em discursos públicos, é reduzir os requisitos para o acesso a armamento. De acordo com a Polícia Federal, atualmente, é necessário apresentar um motivo, por meio de uma “declaração escrita da efetiva necessidade, expondo fatos e circunstâncias que justifiquem o pedido” de compra. Se a mudança no Estatuto do Desarmamento for aprovada, essas regras podem cair, assim como será extinta a atribuição da PF de fazer a triagem de quem pode ou não comprar armas.

As medidas causam temor entre especialistas, por irem contra os estudos sobre segurança pública e medidas adotadas em outros países. O especialista Rafael Alcadipani, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da FGV, alerta que o número de mortes pode aumentar de forma significativa. “Os estudos são uníssonos em colocar que, quanto mais armas, mais homicídios. A cada 1% da quantidade de armas, aumenta em 2% o índice criminal. Nós teremos de fazer novas campanhas de desarmamento. Vai aumentar o índice de suicídios”, afirma.

Rafael destaca que medidas que estão sendo tomadas pelo governo atual estão indo no sentido do que se recomenda para conter a onda de violência. “O Ministério da Segurança Pública está indo nessa direção com a implantação do SUSP e a integração das polícias. Agora é necessário aportar recursos e esforços na área de investigação”, completa.

 

Excludente de ilicitude

A proposta mais polêmica, o chamado excludente de ilicitude, é apontada por especialistas como uma licença para matar. Em uma Proposta de Emenda à Constituição, enviada ao Congresso por Bolsonaro e seu filho, Eduardo, está prevista a inexistência de investigação nos casos em que terceiros forem feridos ou mortos por policiais durante operações policiais. De acordo com o texto da PEC 171, apenas seriam investigados os casos em que existirem indícios de que o agente da lei não agiu em legítima defesa.

Professor de direito penal do IDP de São Paulo, João Paulo Martinelli afirma que não existem motivos para alterar esse ponto da legislação, pois a ausência de penalidade já está prevista na lei para os agentes públicos que agem no estrito cumprimento do dever legal. “Não vejo necessidade de fazer nenhum tipo de mudança. O Código Penal Militar já prevê a excludente de ilicitude em caso de legítima defesa. O que não pode é haver excesso. Se a proposta permitir que eventuais excessos não sejam punidos, aí seria inconstitucional, pois o Estado estaria autorizando atos que não condizem com a legislação. A legítima defesa pode ocorrer mesmo diante de agressão iminente, como o perigo de levar um tiro. Não é necessário esperar o criminoso atirar primeiro”.

Para o professor Rafael Alcadipani, a medida, se adotada, vai aumentar os casos de letalidade em ações policiais. “Vai aumentar a violência policial, e bastante. Vai gerar um banho de sangue que começaria pela periferia e seguiria depois para os bairros nobres”, destacou.

 

Propostas

» Redução da maioridade penal: adolescentes com 16 anos seriam presos em centros de detenção comuns, destinados para adultos.

» A redução da maioridade penal geraria impacto em outras regras, como direito a tirar habilitação para dirigir, idade para casar e ingresso em universidades.

» Entre as medidas, está a liberação da posse de arma de fogo para todos os cidadãos. A PF deixaria de ser o órgão responsável por autorizar o acesso legal a uma arma de fogo.

» Castração química para estupradores: medida prevê a aplicação de medicamentos para condenados por estupro para reduzir a libido.