Título: Chance de reaver o mandato é quase nula
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 14/07/2012, Política, p. 4

Depois de ser cassado, Demóstenes Torres anunciou que recorreria da decisão no Supremo, mas casos recentes mostram que a estratégia costuma ser pouco eficaz

Instantes depois de ser bombardeado por 56 colegas no plenário do Senado, que decidiram cassar seu mandato na última quarta-feira, Demóstenes Torres (sem partido-GO) esbravejou no Twitter que iria recuperar no Supremo Tribunal Federal (STF) o mandato que "o povo de Goiás" havia lhe concedido. A promessa não teve o apoio de sua defesa, que o desencorajou a fazê-lo por considerar a decisão dos senadores soberana. Especialistas lembram que, com base nos casos semelhantes que já chegaram à Corte, as chances de Demóstenes sair vitorioso no recurso à Justiça são mínimas.

A situação clássica em que o Supremo se negou a devolver um mandato foi a do ex-deputado federal José Dirceu (PT-SP). Ejetado da Câmara em processo decorrente de seu envolvimento com o escândalo do mensalão no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Dirceu entrou com mandado de segurança no STF para derrubar os 293 votos favoráveis à sua cassação. Um dos argumentos de seus advogados era o de que o relator do processo no Conselho de Ética havia usado dados sigilosos sem autorização para sustentar seu voto.

A decisão de não conceder a liminar a Dirceu foi tomada pela maioria dos ministros. No acórdão da decisão, Joaquim Barbosa ressaltou a autonomia dos Três Poderes brasileiros. "Deve esta Corte ter sempre em perspectiva a regra de autocontenção que lhe impede de invadir a esfera reservada à decisão política dos dois outros Poderes", alegou.

Cassado na mesma época por denunciar o mensalão sem provas, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) também tentou reaver seu mandato no Supremo. Após apresentar três mandados seguidos, os ministros arquivaram o pedido do petebista.

Decoro parlamentar O argumento de Demóstenes para brigar por seu retorno ao Senado é parecido com o de Dirceu e Jefferson. "Fui cassado sem provas, sem direito a ampla defesa e sem ter quebrado o decoro", comentou o goiano no microblog. O presidente fundador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (Abdconst), Flávio Pansieri, afirma que o STF até poderia considerar a falta de materialidade da acusação contra Demóstenes ou a ilegalidade das provas, mas a interpretação valeria apenas para processos judiciais. "O julgamento pelo Senado é uma medida distinta da judicial. Há entendimentos de juristas de que a quebra de decoro parlamentar é o que o Congresso achar que é", justifica.

O professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Alexandre Bernardino explica que o Supremo deve recorrer ao princípio interna corporis, segundo o qual não cabe ao Judiciário julgar assunto restrito ao Poder Legislativo. "Apesar de ter havido questões jurídicas envolvidas no processo de cassação, o julgamento do senador levou em conta outros elementos além das gravações, como depoimentos e documentos", afirma. "A análise de quebra de decoro foi política, a casa legislativa não estava julgando um crime, mas se o Demóstenes faltou com o decoro por ter relação promíscua com uma pessoa apontada como criminosa."

Segundo os senadores que decidiram pela cassação do parlamentar goiano, ele perdeu o mandato por ter mentido ao negar, durante discurso da tribuna em março, ter relações pessoais com o contraventor Carlinhos Cachoeira. Interceptações telefônicas em que Demóstenes teria atuado em favor do bicheiro no Ministério Público de Goiás também pesaram na decisão dos 56 senadores que tiraram o mandato do parlamentar. Na série de discursos de defesa, o senador chegou a dizer que mentir não seria ferir o decoro.

"Deve esta Corte ter sempre em perspectiva a regra de autocontenção que lhe impede de invadir a esfera reservada à decisão política dos dois outros poderes" Joaquim Barbosa, ministro do STF

"Há entendimentos de juristas de que a quebra de decoro parlamentar é o que o Congresso achar que é" Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional

Dupla cassação José Dirceu foi cassado em dezembro de 2005 por 293 votos a favor de sua saída e 192 contra. Ele foi acusado de operar o esquema do mensalão do governo Lula, baseado na compra de votos de parlamentares da base em projetos favoráveis ao governo. Ex-ministro-chefe da Casa Civil e ex-deputado federal, Dirceu é réu no processo sobre o escândalo que deve ser julgado em agosto pelo STF. Para o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que ofereceu a denúncia, ele era o "chefe da quadrilha". Roberto Jefferson foi quem revelou o esquema em uma entrevista e também acabou cassado e réu do mesmo processo no Supremo. No Conselho de Ética da Câmara, foi criticado por fazer acusações sem provas e admitir o tráfico de influência no esquema. Caiu por 313 votos a favor da cassação e 156 contra.