Correio braziliense, n. 20249, 29/10/2018. Política, p. 4

 

Haddad pede coragem ao país

Paloma Oliveto 

29/10/2018

 

 

Ao lado da mulher, Ana Estela, da candidata a vice, Manuela D’Ávila, e cercado de políticos como a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-senador Eduardo Suplicy, o candidato derrotado à Presidência Fernando Haddad fez um pronunciamento de nove minutos, no qual pediu aos 47 milhões de brasileiros que votaram nele para não “terem medo”. O professor universitário, ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação começou o discurso falando em coragem, e encerrou voltando ao tema.

“Aprendi com meus antepassados o valor da coragem para defender a Justiça a qualquer preço”, disse, no início do pronunciamento, realizado em um hotel da capital paulista. No fim, afirmou que, ao longo da campanha, se deparou com muitas pessoas que “chegavam a soluçar, de tanto chorar”. Haddad as tranquilizou no fim da fala: “Quero dizer a vocês: não tenham medo. Nós estamos aqui, estamos juntos. Nós estaremos de mãos dadas com vocês. Nós abraçaremos a causa de vocês. Contem conosco. Coragem, a vida é feita de coragem. Viva o Brasil”.

Com o semblante cansado, porém tranquilo, Haddad demonstrou emoção, principalmente ao fazer uma analogia ao Hino Nacional. “Verás que um professor não foge à luta”, disse, bastante aplaudido. “Nem temem os que adoram a liberdade até a morte. Nosso compromisso é de vida com esse país. Reconhecemos a cidadania em cada brasileiro e não vamos deixar esse país para trás. Vamos colocá-lo acima de tudo, vamos defender nossos pontos de vista, respeitando a democracia e as instituições”, continuou, afirmando que coloca “a vida à disposição desse país”.

O candidato derrotado convidou os eleitores a acompanhá-lo na oposição, em um momento que, segundo ele, o Brasil “nunca tenha precisado mais do exercício da cidadania”. “Vamos colocá-lo (o país) acima de tudo, vamos defender nossos pontos de vista, respeitando a democracia”, discursou. Haddad aproveitou para criticar o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo juiz Sérgio Moro e  em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região. “Vivemos um período já longo em que as instituições são colocadas à prova a todo o instante. A começar de 2016, quando tivemos o afastamento da presidenta Dilma, depois a prisão injusta do presidente Lula, a cassação de sua candidatura, desrespeitando uma determinação das Nações Unidas, mas nós seguimos de cabeça erguida, com determinação, com coragem para levar nossa mensagem aos rincões do país.”

Na avaliação do consultor político Marcos Marinho, professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Haddad desponta como forte candidato a líder com potencial de aglutinar uma esquerda esgarçada. Para isso, porém, ele acredita que o ex-prefeito de São Paulo precisa se reconectar com as bases — algo que o candidato derrotado reconheceu ter de fazer, durante o discurso de ontem — e se afastar das discussões sobre o impeachment de Dilma e a prisão de Lula. “Ele não é o escudeiro do Lula, não tem mais o papel de defendê-lo, isso é tarefa da Gleisi Hoffmann (presidente do PT). Haddad tem de ser maior que o lulismo e o petismo”, afirma. Para Marinho, o lulismo deve ser encarado mais como uma utopia, tal qual o marxismo, enquanto que, para se reinventar, a esquerda precisa adotar uma postura prática e menos atrelada ao radicalismo que caracteriza a ala tradicional do PT.

O consultor considerou a fala de Haddad acertada, com o ex-ministro mostrando que é mais que o “poste” de Lula, como foi chamado durante a campanha. “Haddad sai desse pleito como uma das figuras mais proeminentes da esquerda. Ele emerge tardiamente, em uma posição fragilizada, desconhecido do país e até de boa parte dos petistas e consegue, de fato, dar cara nova à esquerda. Faz um mea culpa e traz oxigenação e perspectivas de futuro. A figura do professor dá a ele um tipo de legitimidade”, avalia. Porém, para manter a liderança, Marinho ressalta que o candidato derrotado precisará se impor “com firmeza” dentro do próprio partido.