O globo, n. 31173, 12/12/2018. País, p. 4

 

Oração interrompida pela tragédia

Thiago Herdy

Tiago Aguiar

12/12/2018

 

 

Homem invade Catedral de Campinas após missa, mata quatro e se suicida

Passava das 13h quando um homem sentado em um dos bancos da Catedral de Campinas levantou-se, sacou uma pistola automática 9 mm e disparou contra fiéis que continuavam na igreja depois de uma missa. Com os disparos, Euler Fernando Grandolpho, 49 anos, matou quatro pessoas. Atingido em seguida por policiais que invadiram a igreja, suicidou-se com um tiro na cabeça, informou a PM. Outros quatro ficaram feridos na ação.

O ataque permanece sem uma explicação, enquanto imagens do circuito interno da igreja mostraram como tudo aconteceu. Euler atirou primeiro contra pessoas sentadas no banco logo atrás dele. Em pé, virou-se então contra um grupo que tentava escapar do lado oposto de onde estava. Disparou mais vários tiros. Algumas das vítimas caiam sobre as outras enquanto tentavam escapar.

Com a igreja aparentemente esvaziada depois dos primeiros tiros, Euler andou lentamente pelos corredores. Parecia trocar a munição da arma, enquanto uma senhora que se escondeu atrás de um dos bancos se levantou e correu em direção à saída.

Dois policiais militares entraram na igreja e encontraram o atirador encostado ao centenário órgão Cavaillé-Coll, um equipamento restaurado e entregue à igreja em julho deste ano.

Acuado, ele fugiu em direção ao altar. Policiais avançaram pelo corredor central. O atirador não aparecia mais nas imagens das câmeras de segurança quando foi atingido na costela, segundo a Polícia Militar, por apenas um tiro. Em frente ao altar, ainda de acordo com a PM, ele disparou contra a própria cabeça.

Por mais de quatro horas, ninguém sabia a identidade do atirador, nem das vítimas, tampouco a motivação do crime, que deixou entre os feridos um senhor de 84 anos atingido no tórax e no abdômen e ainda internado.

— Ninguém pôde fazer nada, ajudar de forma nenhuma. Eu peço apenas que rezem pelas vítimas — disse o padre Amauri Thomazzi, que havia rezado a missa anterior.

A tragédia poderia ter sido ainda maior. Euler tinha munição para atirar mais 22 vezes, segundo a polícia.

—A gente vê que foram tiros aleatórios, não havia vítima escolhida. Se não houvesse a intervenção policial, eram mais dez, vinte pessoas mortas — relatou José Henrique Ventura, delegado responsável pelo caso.

Do lado de fora, de onde se ouvia o barulho dos tiros, quem passava pela região se abrigou em lojas próximas, ainda sem saber o que estava acontecendo. A catedral fica localizada em um importante centro comercial da cidade, no entorno da Rua 13 de Maio, onde a PM fazia operação de rotina ontem.

O atleta Rodrigo Arlindo, 20 anos, estava na escadaria da igreja acompanhado do pai, de 56 anos, quando começou a ouvir os disparos:

— Todo mundo estava desesperado e sem entender o que estava acontecendo.

A cidade de Campinas registrou no ano passado um outro caso de ataques a tiro que chocou os moradores. O segurança Antônio Ricardo Gallo, de 28 anos, matou o pai, duas irmãs, um vizinho e um outro homem em uma série de ataques. Gallo se matou com um tiro na cabeça depois de cometer os crimes. Ele havia sido alvo de uma ação de despejo protocolada pelo próprio pai.

Pelo Twitter, o presidente Michel Temer manifestou condolências às vítimas: “Profundamente abalado pela notícia desse crime cometido dentro da Catedral. Rezo para que os feridos tenham rápida recuperação”.

Também pela rede social, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmou estar acompanhando o caso e se dirigiu à vítimas. “Nossos votos de solidariedade às vítimas dessa tragédia e aos familiares”, escreveu.

Em nota, a Arquidiocese de Campinas lamentou o ocorrido: "Contamos com as orações de todos neste momento de profunda dor".

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Arma usada por atirador tinha numeração raspada

Thiago Herdy

12/12/2018

 

 

Ação ocorre em meio a debate para flexibilizar Estatuto do Desarmamento

A pistola calibre 9 milímetros usada por Euler Fernandes Grandolpho tinha numeração raspada, de acordo com o delegado José Henrique Ventura, responsável pela investigação.

— É um armamento de uso restrito das Forças Armadas e da polícia. Como a numeração estava raspada, não foi possível identificar a origem. Vamos investigar.

Grandolpho também portava um revólver calibre 38, que não chegou a ser usado.

O ataque ocorre a 20 dias da posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, eleito com discurso de defesa da revisão do Estatuto do Desarmamento. Aliados do presidente eleito tratam como prioridade pautar a mudança no Congresso já no primeiro semestre do próximo ano.

Após o ataque, o senador eleito Major Olímpio (PSLSP), um dos principais conselheiros de Bolsonaro no Parlamento, voltou a defender a revisão do estatuto, que, para ele, fortalece os criminosos.

— Nós lamentamos a tragédia, mas a arma dele era legal? Ele tinha porte de arma? As armas envolvidas em crimes quase que a sua totalidade são armas ilegais — disse Olímpio. — Decidiu-se que retirando a condição da legítima defesa do cidadão, iria proporcionar um equilíbrio da sociedade. De forma nenhuma. O que se fez foi o empoderamento dos criminosos. Flexibilizar o estatuto é estabelecer regras de controle. Não é descontrole de armas não.

Para Michelle Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, o caso revela a importância de se debater os limites ao armamento:

— É um brutal lembrete sobre a discussão do controle de armas. Uma das armas (que o atirador usou) é de uso restrito às Forças Armadas. A marcação da munição e estabelecer os critérios de acesso são fundamentais —disse à GloboNews.